No livro Quem disse que não tem discussão, lançado originalmente em 2012, o cientista político Alberto Carlos Almeida já vaticinava o fenômeno simbolizado pela liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na região Nordeste. Atualmente, o Nordeste é crucial para se entender a força nacional do PT. Trata-se da última região na qual o PT conseguiu entrar quando ainda era um partido pequeno. Trata-se da região da qual o PT jamais sairá, profetizou Alberto Carlos Almeida, lembrando que o ex-presidente Lula sempre foi apontado como o primeiro que se preocupou especificamente com o povo deste território. Essa percepção estava presente já em 2006 e nos quatro anos subsequentes.
O cientista político chamava a atenção para dados de pesquisas qualitativas e quantitativas mostrando que o eleitor nordestino achava, e acha, que Lula é do Nordeste. O fato de a carreira política de Lula ter sido feita em São Paulo é algo inexistente para os nordestinos. Isso é consequência de outro fenômeno a percepção local de que nunca ninguém, na história recente do Brasil, tinha feito alguma coisa pelo Nordeste, assinala. Talvez seja por isso que o presidente Jair Bolsonaro se sente desconfortável e passou dos limites ao chamar pejorativamente de paraíbas dois governadores nordestinos, inclusive, o da Paraíba, João Azevêdo. Por mais que o governo Bolsonaro faça pela região, a evocação da imagem de Lula raia no subconsciente do nordestino, principalmente daquelas parcelas beneficiadas com programas assistencialistas, a exemplo do Bolsa Família (os petistas ficam irados quando se atribui ao Bolsa Família o viés assistencialista).
Alberto Carlos Almeida se permite lançar mão de um contrafactual baseado na elevada popularidade de Lula no Nordeste. Diz que se ele tivesse sido o candidato em 2010, provavelmente teria mais votos do que teve em 2006. É possível fazer essa afirmação por conta de uma razão específica. Em setembro de 2006, ou seja, às vésperas da eleição, o governo Lula no Nordeste tinha uma avaliação de 60% na soma de ótimo e bom. Sublinho o fato de esta avaliação referir-se a setembro daquele ano. A avaliação de Lula veio melhorando no decorrer de 2006, o ponto mais elevado sendo atingido justamente próximo à eleição. Em maio de 2006, ela era menor, mesmo no Nordeste, do que em setembro. Ocorre que em maio de 2010, a soma de ótimo e bom de Lula no Nordeste atingiu a marca de 90%, enfatiza o historiador.
A seu ver, a eleição de 2006 consagrou um novo e permanente padrão de votação no Brasil. E exemplifica: onde a sociedade é maior do que o Estado região Sul, São Paulo e toda a região Centro-Oeste, com exceção da capital federal, é claro, venceu o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Onde o Estado é maior do que a sociedade, Lula derrotou Geraldo: Norte, Nordeste, Rio de Janeiro e Minas Gerais. De todas as vantagens regionais entre os dois principais candidatos, a maior delas foi verificada exatamente no Nordeste: Lula teve 66,8% dos votos válidos, e Geraldo, 26,1%. Em números absolutos, isso significou pouco mais de 10 milhões de votos de um total de quase 28 milhões de nordestinos que foram às urnas.
Segue Alberto Carlos Almeida: Os quatro anos que separaram 2006 de 2002 só fizeram aumentar a força de Lula no Nordeste. Em 2002, ele obteve 45,9% dos votos válidos, o que significou pouco mais de 9 milhões de votos de um total de 20.424.847. Entre as duas eleições, Lula adicionou mais de 7 milhões de votos e quase 21 pontos percentuais. Não custa chamar a atenção para o óbvio: votar no Lula não é a mesma coisa que votar em Dilma. Isso é uma regra eleitoral: o sucessor indicado sempre recebe menos votos do que receberia o próprio ocupante do cargo, caso se candidatasse. Foi exatamente o que ocorreu na eleição de 2010. Na primeira eleição nacional na qual José Serra foi derrotado no segundo turno, Lula teve 61,5% dos votos, e Serra apenas 38,5%. Na eleição seguinte, o presidente se candidatou à reeleição: Lula ficou com espantosos 77,1% e Geraldo Alckmin com 22,9%. Em 2010, o candidato do governo não disputava a reeleição, era Dilma Rousseff a indicada por Lula. Ela teve mais votos do que Lula em 2002 66,8% e Serra se saiu pior do que em 2002, ficando com 33,2%. A conclusão de Alberto é simples: Lula veio para ficar como fenômeno político-eleitoral. O que pode estimular a ilação de que, se estivesse solto e pudesse ser candidato, teria probabilidade de retornar pelo voto ao Palácio do Planalto.
Nonato Guedes