Se estivesse vivo, o ex-governador da Paraíba, Tarcísio Burity, completaria 79 anos dia 28 próximo, o que significa que em novembro de 2018 o marco será dos 80 anos, com direito a homenagens e ao lançamento de uma biografia que está sendo preparada pela viúva Glauce Burity e que vem complementar obras como “Esplendor & Tragédia”, de autoria do jornalista e escritor Severino Ramos, que foi secretário de Cultura de um dos governos empalmados por Burity. Sempre que se evoca Burity ocorre-me uma definição atribuída a ele pelo então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Numa vinda à Paraíba, com a missão de reconciliar dissidentes do PDS com o governador que não aceitava chantagens, Abi-Ackel foi indagado sobre o figurino do gestor paraibano. E assim reagiu: “Eu diria que é um político não convencional”.
Foi a forma engenhosa que o ministro encontrou para decifrar uma personalidade incomum e, portanto, rara na paisagem política brasileira. Lembro bem a circunstância em que escapou essa definição: no fogo cruzado entre deputados estaduais e federais ligados ao chamado Grupo da Várzea contra a segunda gestão Burity. Desafiado e derrotado no processo de eleição da Mesa da Assembleia por uma articulação que conduziu Fernando Milanez ao pódio, o governador foi alcançado mais tarde com uma Mesa Diretora da Assembleia que lhe era hostil e que lhe propôs o juramento de um texto constitucional que retirava prerrogativas suas. Não jurou a Constituição. Nem ele nem o presidente do Tribunal de Justiça.
Quando Burity foi indicado governador por via indireta em 79, como um “tertius”, diante de impasse que reinava nas hostes do partido de sustentação do regime entre Antônio Mariz e Milton Cabral, a mídia sulista tratou-o como uma espécime estranha ao ninho político. Ele foi chamado de neófito, obscuro e biônico por não ter tido militância política que o credenciasse a um cargo como o de titular do Executivo paraibano. No primeiro governo, surpreendendo aos recalcitrantes, Burity mostrou a que veio. Realizou uma das mais aplaudidas administrações da história da Paraíba. Soube conciliar a entrega pública de um equipamento grandioso como o Espaço Cultural em João Pessoa com a assistência a trabalhadores rurais castigados pela seca no interior paraibano. Mesmo os seus adversários reconheciam tratar-se de um homem de visão, que colocou a Paraíba na vanguarda precocemente. E que, emtermos políticos, mesmo gerado no ventre do regime militar, deste discrepou ao pregar a convocação de eleições diretas para presidente da República e, na sequência, uma Constituinte.
Burity não tinha paciência para o varejo político, para a miudeza das nomeações e demissões, do toma lá-dá cá. Fez concessões possíveis no jogo político,procurando sempre não descaracterizar seu próprio ideário – o que equivaleria a negar seus princípios. Por isso é que era um político não convencional no dizer de Ibrahim Abi-Ackel. Porque fugia dos parâmetros vigentes,dos perfis medíocres que pontuavam na cena política brasileira. Em ensaio que escrevi para o livro “Poder & Política na Paraíba”, ousei brincar dizendo que de Burity se dizia tratar-se de um homem que tinha linha direta com o Céu – o que tinha a ver com a lenda corrente sobre sua sorte para abocanhar o governo da Paraíba contrariando todas as previsões então feitas. Convém lembrar que Burity reinou soberano e de forma olímpica por quase uma década – a de 80, que o encontrou no Palácio da Redenção e lá o reencontrou na despedida do segundo mandato, não tão festejado como o primeiro. Burity foi um ator político que revolucionou práticas e estruturas carcomidas, que rompeu grilhões impostos por oligarquias e que buscou imprimir um novo modelo de relação política. Sim, tinha tendência à centralização, o que parece inevitável num Estado onde facções tentam lotear a máquina administrativa como se fosse um butim de guerra. Burity operou como um divisor de águas. Depois dele, a tônica passou a ser outra, o que torna irretocável a sua contribuição à História, malgrado percalços e atropelos verificados nesse mister.
Nonato Guedes