O escritor e economista Francisco Sales Cartaxo Rolim, um cajazeirense radicado no Recife e reconhecido como abalizado estudioso da problemática regional foi secretário de Planejamento da Paraíba no governo do doutor Ivan Bichara Sobreira chega à conclusão de que o Mito, como foi denominado Jair Bolsonaro pelos seus eleitores fanáticos, na campanha de 2018 a presidente da República, não tem plano concreto para beneficiar o Nordeste, embora já esteja adentrando no quarto mês de mandato. Insinua, ainda, que o presidente da República não tem a mínima ideia do que fazer com o Banco do Nordeste do Brasil BNB, sendo mais fácil entregá-lo à voragem dos privativistas do que fortalecê-lo como órgão de fomento do desenvolvimento do semiárido. Essas opiniões, Frassales expende na coluna que mantém religiosamente em site acreditado da terra da Cultura da Paraíba, onde tem liberdade para dar vazão a seus conhecimentos históricos e literários, tanto que se permite um passeio pelo registro de ilusões vendidas a nordestinos por governantes e políticos de variegada extração sobre supostas soluções para os nossos problemas.
Venderei o último brilhante da Coroa mas não deixarei um cearense morrer de sede, exclamou, carregando nas tintas do passionalismo, o imperador Dom Pedro II. Da frase de efeito, pelo menos, nasceu o açude de Cedro, em Quixadá, no vizinho Estado. A Cartaxo não passa desapercebida a assertiva brilhante do paraibano José Américo de Almeida, quando ministro da Viação e Obras Públicas, situando que pior do que perecer de sede no deserto é não ter o que comer na terra de Canaã. O populacho ia ao delírio com essas joias da retórica, até que passou a vigorar a concepção de que o sofrido Nordeste carecia de soluções técnicas, posteriormente acopladas ao modernismo de experimentos exportados de países como Israel (que é menina dos olhos do Mito-presidente).
Desde cedo, labutando nas rotativas de jornais, ouço a cantilena de que a pomada Maravilha para esta região está nos projetos de irrigação desenvolvidos aparentemente com sucesso em Israel. A repórter Lena Guimarães, do Correio da Paraíba, chegou a produzir matérias que repercutiram no jornal Folha de São Paulo sobre a novidade da hidroponia, que num passe de mágica iria colaborar para mitigar a seca e a fome na terra do Canaã do Brasil. O modismo contagiou empresários da região de Patos, nas Espinharas da Paraíba, que passaram a cavar o solo e a investir com técnicas ditas arrojadas, sob o olhar benevolente de governantes extasiados com milagres contemporâneos. Iam ficando para trás, como ideias de comunista, as propostas do paraibano Celso Furtado, fundador da Sudene, sobre como conciliar rudimentos com tecnologia para fazer brotar do solo esturricado a semente da esperança e da vida. Até que chegou Lula, espanando gavetas e retirando de lá o projeto de transposição de águas do rio São Francisco, também conhecido como projeto de interligação de bacias.
Lula caprichou na demagogia retórica: Só ficarei feliz quando um pobre e nordestino passar a se alimentar pelo menos três vezes ao dia. Abstraindo o ornamento, justiça se faça: foi o primeiro que tomou o touro à unha, como se diz no remotíssimo Sertão, e pôs a andar a tal transposição. Já fora do governo, num gesto de grandeza do então governador Ricardo Coutinho, veio à Paraíba junto com Dilma Rousseff para testemunhar a chegada das águas da transposição num dos Eixos estratégicos aqui fincados. Fez a festa do povo, em contraposição à papagaiada oficial armada pelo presidente Michel Temer, num palanque sem maior quórum, em que Ricardo Coutinho, em tom de bravata, deu vivas a Lula por promover a redenção do Nordeste, superando figuras carimbadas do Império e da República.
E O Mito? O que dizer do Mito? O intelectual Frassales Cartaxo passa ao largo de outras considerações, em termos de aprofundamento. Mas é possível e preciso lembrar que Bolsonaro talvez não tenha planos para o Nordeste por duas razões: desconhecimento da realidade da região e ciumada por não ter tido votação consagradora aqui, onde Luiz Inácio Lula da Silva, recolhido a uma cela da Polícia Federal em Curitiba, logrou fazer um estrago, transformando em fenômeno um ilustre desconhecido do nosso povo que o tratava como Andrade. Era o professor universitário Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação, que com todas as vicissitudes enfrentadas pelo Partido dos Trabalhadores, ainda forrou o bestunto com 45 milhões de votos, em tese transmitidos telepaticamente dos céus de Curitiba. Se for verdadeira esse ranço de Bolsonaro para com o eleitor nordestino, está embutido aí a mais absoluta pequenez. Ou a falta de grandeza. Fosse, de fato, estrategista político e melhor equipado intelectualmente, o presidente Bolsonaro transformaria este Nordeste num canteiro de obras ao invés de ficar remoendo mágoas provenientes de mapas eleitorais. Ainda há tempo, embora possa parecer tarde.
Nonato Guedes