Um presidente eleito, como Jair Bolsonaro, que antes de assumir já provocou o que prováveis auxiliares de governo seu chamam de disrupção espécie de corte sociológico-ideológico e que é assumidamente identificado com a direita e o conservadorismo, precisará investir fundamentalmente na comunicação para se fazer entender e ser assimilado ou absorvido pelos milhões de descontentes que não o sufragaram ou optaram por votos nulos e brancos. É um governo que se propõe a desmontar o aparelhamento montado pelo PT e no qual o presidente emergencial Michel Temer foi incapaz de mexer, fosse por medo ou por incompetência mesmo. Isto implicará em fazer valer aquela máxima de que governar é contrariar interesses, embora haja o contraponto de que governar, também, é satisfazer expectativas.
Em seu artigo na revista Veja, a colunista Dora Kramer define apropriadamente o que está se passando no círculo de poder. Diz que o nó górdio ainda sem sinal de que possa ser bem desatado é a comunicação de governo. O esquema montado na campanha e ainda em vigor é um desastre completo, cujos efeitos serão sentidos mais adiante se não houver uma correção nesse rumo, adverte Dora. O tal esquema de comunicação a que ela se refere não teve nada de profissionalização; pelo contrário, revestiu-se de caráter amadorístico e foi pilotado, de forma centralizadora, por filhos e íntimos do candidato do PSL à presidência da República, especializados, quando nada, em manejar redes sociais. Fora daí, esses familiares do presidente alguns dos quais estão batendo em retirada e culpando a mídia por críticas que lhe foram feitas não avançaram na formulação de estratégias de relação mediatizada que tornasse o candidato mais próximo das camadas que o escolheram como alternativa.
Na opinião de Dora Kramer, sem estrutura de comunicação profissional com autonomia e acesso direto ao presidente, Bolsonaro vai se ver em maus lençóis. Seus filhos podem ser ótimos, mas não do ramo. Nem aquele bamba nas questões de internet. Uma coisa é o candidato em interlocução direta com o eleitorado, outra é o presidente no diálogo permanente com a sociedade. A intermediação profissionalizada ajuda a detectar problemas, evitar maus passos e até afastar más companhias que servem na campanha, mas são nefastas no governo. Em geral, é uma gente sedutora a cujo charme conviria aos estreantes Bolsonaro atentar com olho bem vivo e faro muito fino acrescenta Dora Kramer, na radiografia perfeita do desafio enorme que está posto.
Ainda para citar Dora Kramer, Bolsonaro e companhias de trajetória eleitoral entenderam perfeitamente as demandas do cidadão médio, souberam atender aos anseios dessa maioria e o resultado lhes deu a vitória e, com ela, o mando de campo. Essa talvez tenha sido a parte fácil da empreitada. Emergir do baixo clero é uma coisa, e vários já conseguiram; agora, transitar com sucesso na seara do cardinalato é outra bem mais difícil. Requer ao menos domínio dos códigos do poder político e da elite social, atributo a respeito do qual o presidente eleito e seus influentes filhos ainda têm muito a aprender, léguas a percorrer antes de deitar na cama a fim de fazer jus à fama. Isso não significa que tenham chegado totalmente crus até aqui, teoriza Dora Kramer. Ocorre que está se aproximando a hora de a onça beber água propriamente dita. E para isto, o presidente eleito Bolsonaro precisará de equipamento para driblar os sortilégios, enfrentar com galhardia os desafios e tocar a sua administração com a normalidade possível. É isto que se quer dizer. Se os meninos de Bolsonaro pelo menos não atrapalharem o pai, com este na condução do governo, já terão dado uma boa contribuição para que se tente acertar o passo na direção das reformas.
Nonato Guedes