Jornalista e comentarista de rádio e televisão, João Alves Jobim Saldanha (João Saldanha) licenciou-se da profissão para treinar a Seleção Brasileira que em 1970 conquistou o tricampeonato de futebol no México. Comunista de carteirinha e cioso da sua independência, esse gaúcho de Alegrete, que morreu em julho de 90 aos 73 anos, atormentou o regime militar quando deixou claro que não iria aceitar interferência política na escalação do time. Os atletas eram denominados feras de Saldanha, este por sua vez apelidado por Nelson Rodrigues de João Sem Medo, que foi posto para fora porque o presidente da República, então general Garrastazu Médici, gostava de Dario, também chamado de Dadá Maravilha, e Saldanha se recusou a convocá-lo. No lugar de Saldanha, assumiu Mário Jorge Lobo Zagallo, que chamou Dario. Mas ganhamos a Copa sem ele, afirmou o ex-treinador numa entrevista concedida à revista Playboy e publicada em maio de 1978.
Amargando o fragoroso insucesso no Mundial de 1966, o futebol brasileiro vivia situação de pânico e parecia difícil encontrar alguém disposto a assumir a chefia técnica da Seleção que tentava se classificar para disputar a Copa de 70. Saldanha aceitou e prometeu formar uma equipe competitiva. A seleção de Saldanha se classificou, mas em seguida ele foi afastado e voltou de vez ao jornalismo. De acordo com o depoimento de João Saldanha, em 1969 o futebol brasileiro estava de cabeça baixa. Chamar os jogadores de feras significava que eram homens dispostos a tudo, até a morder o adversário, ressaltou Saldanha. Ele contou que Dario era um bom jogador de clube, mas não se enquadrava no figurino de jogador de Seleção. A cúpula da CBD, para agradar ao homem (o ex-presidente Médici) queria porque queria o Dario de qualquer jeito. Quando o Zagallo me substituiu, convocou imediatamente o Dario. Mas ganhamos a Copa sem ele não foi aproveitado sequer no banco, explicou João Saldanha.
Entre outras revelações feitas por Saldanha na entrevista à Playboy consta a de que, quando terminou a Copa de 1958, Garrincha comentou: Eita campeonatozinho curto. Em 1962, quando ele ganhou quase sozinho, jogando num time de estropiados, perguntaram a Garrincha qual tinha sido o adversário mais ferrenho, ao que ele respondeu: Os austros. O ex-treinador relatou, ainda, que nunca mandou ninguém para a cama em véspera de jogo nem mandou tocar alvorada às 7h da manhã. Um time de futebol não é um batalhão, por isso deixava os jogadores levantarem à hora que quisessem. É claro que tinham de acordar antes do jogo. E só. Saldanha disse que nunca recebeu queixa sobre prática de homossexualismo no escrete, mas advertiu: Não estávamos pretendendo ser crítico de moral; o que nos interessava era a atividade de jogador dentro de campo. Se jogava bem, tudo bem; se jogava mal, caía fora. Sobre os desentendimentos entre Saldanha e o presidente Médici, criou-se o folclore de que o ex-treinador mandara o seguinte recado ao governante quando da suposta imposição para a convocação de Dario: O senhor manda no seu ministério; eu mando na Seleção Brasileira. Na prática, João Sem Medo formou o time-base que deu a vitória ao Brasil em 1970 no México.
Nonato Guedes