Ex-todo-poderoso ministro da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e um incansável articulador político no Partido dos Trabalhadores, que tem a ambição, ainda, de vir a ser presidente da República, José Dirceu de Oliveira e Silva está, desde ontem, em liberdade condicional deferida por ministros do Supremo Tribunal Federal e recolhido à sua residência em Brasília. Por determinação judicial, entretanto, ele deverá se apresentar ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, que decidirá se Dirceu precisará ou não usar tornozeleira eletrônica no período em que responderá, em liberdade, às acusações de corrupção praticadas no âmbito da Operação Lava-Jato.
Implicado, igualmente, no processo do mensalão, que arrasou o PT do ponto de vista ético, José Dirceu pretende manter intactos até os 80 anos (ele tem 72 anos de idade) os segredos acumulados e referentes à sua atuação na guerrilha, na luta armada, bem como no governo petista. Descrito pelo jornalista Otávio Cabral em livro como o maior lobista e o maior vilão do Brasil, Dirceu foi protagonista-chave na construção do Partido dos Trabalhadores, na transformação do partido em uma máquina eleitoral e na chegada do PT ao poder em 2002 com a vitória de Lula na eleição presidencial. É incensado por correntes do partido pela sua postura de não delatar ninguém, na prisão, ao contrário de ex-petistas exponenciais como Antonio Palocci.
Dirceu foi quem coordenou a campanha vitoriosa de Lula e comandou o expurgo da esquerda petista, além das alianças com partidos conservadores e fisiológicos que levaram ao mensalão, que provocou a sua queda do comando da Casa Civil. Nascido em Passa Quatro, cidade de 11 mil habitantes no interior do Paraná, Dirceu ainda é um enigma na cena política brasileira, que não foi completamente desvendado por 44 livros e vários filmes versando sobre os momentos políticos que ele viveu, a exemplo do exílio em Cuba durante o regime militar instaurado em 1964, da clandestinidade no Brasil durante os anos 1970 e da sua influência marcante no Partido dos Trabalhadores. No período de ostracismo do PT, com o impeachment de Dilma Rousseff, Dirceu manteve com regularidade um site na internet, expondo livremente suas opiniões acerca dos próprios rumos do PT. Ele sempre foi tido como um teórico respeitável. Chegou a presidir a União Nacional dos Estudantes-UNE e exerceu mandato de deputado federal.
Expoente do histórico congresso da UNE em Ibiúna, Dirceu figurou na lista de presos trocados pelo embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, sequestrado nos anos 70. Expatriado e isolado em Cuba, caiu nas graças de Fidel Castro, que o escolheu para liderar um foco guerrilheiro no Brasil. Desbaratado o movimento, encarcerados ou mortos cada um de seus integrantes, Dirceu sobreviveu para mergulhar num longo período de clandestinidade, somente interrompido em 1979 pela anistia. Livre, conheceu o sindicalista Lula da Silva, fundou o PT e tornou-se o mais afamado articulador político do PT, mentor do programa que afastou setores sectários do partido, dentro da estratégia de edificar a mais poderosa e inclemente máquina eleitoral da história do país. Em 2003, pela via democrática que não ajudou a construir, Dirceu alcançou o Palácio como ministro mais importante de um presidente eleito pela esperança. Até que eclodiu o mensalão, pelo qual Dirceu foi condenado, em meio a uma dramática exortação pública de Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB: Sai daí, Zé, antes que caia um inocente. O inocente era Lula da Silva, que hoje cumpre prisão em Curitiba, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Nonato Guedes