O brasileiro é um homem cordial, já dizia o historiador Sérgio Buarque de Holanda, ao criar o conceito de que virtudes tão elogiadas por estrangeiros, como hospitalidade e generosidade, representam um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece viva e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano. Nem tanto. Pelo menos a se fiar pelos dados de estudo que revelam que o brasileiro tem tendências para o autoritarismo.
A conclusão é do estudo “Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil”, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entidade sem fins lucrativos, que elaborou no país um Índice de Propensão ao Apoio de Posições Autoritárias. Através de pesquisa encomendada ao instituto Datafolha, a medição indica que, numa escala de zero a dez, a sociedade brasileira atinge o elevado índice de 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias
Conforme o estudo, os brasileiros têm alta propensão a apoiar teses autoritárias e essa tendência é reforçada pelo quadro ameaçador da segurança pública do país, que registra cerca de 60 mil mortes intencionais por ano e tem 50 milhões de adultos que declaram ter conhecido ao menos uma pessoa que foi assassinada.
O índice foi elaborado a partir de tentativas de medição de tendências autoritárias na tradição das ciências sociais e da psicologia social. Tomou-se como referência inicial a escala psicométrica criada pelo sociólogo e filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969), no pós-Guerra, época em que trabalhou com um grupo de psicólogos sociais na Universidade da Califórnia, em Berkeley, com o objetivo de mensurar tendências antidemocráticas implícitas na personalidade de indivíduos.
Os enunciados se filiam a três categorias: “submissão à autoridade”, “agressividade autoritária” e “convencionalismo”. A que apresentou médias de propensão ao autoritarismo mais altas foi a primeira ”submissão à autoridade”. O resultado, segundo avaliam analistas e professores de sociologia, pode ser relacionado a traços reconhecíveis da cultura política do país, como o prestígio de lideranças fortes e personalistas à direita, mas também à esquerda. Na busca de um “salvador da pátria”, sugere o site brasilagro, a população poderia vê-lo no ex-presidente Lula (PT) ou em Bolsonaro.
O estudo verificou que a tendência autoritária é mais acentuada entre os menos escolarizados, os de menor renda, os mais velhos, os pardos, aqueles que habitam municípios menos populosos e os que vivem no Nordeste.
Bom, não custa lembrar que Sérgio Buarque de Holanda dizia, também, que o brasileiro ser um homem cordial não representa, necessariamente, sinônimo de bons modos ou de bondade. Na tese do historiador, a atitude polida do brasileiro equivale a um disfarce que permite cada qual preservar sua sensibilidade e suas emoções e, com essa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social. Numa espécie de licença apoética, poderíamos dizer que nossa cordialidade é autoritária.
Linaldo Guedes