O cantor baiano Gilberto Gil, cuja agenda tem show programado para a noite de hoje no Teatro A Pedra do Reino, em João Pessoa, foi ministro da Cultura no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e hoje dá declarações de solidariedade ao petista, considerando injusta sua prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Para Gilberto Gil, o mantra Lula Livre, que é manifestado em apresentações de artistas por iniciativa de eleitores e admiradores do ex-presidente, é legítimo e traduz o reconhecimento de que o ex-mandatário estaria sendo vítima de uma grave perseguição. Gil estava com a carreira de vento em popa quando recebeu, em dezembro de 2002, um telefonema do presidente eleito Lula da Silva, que deu uma guinada radical em sua vida, conforme relata o livro Gilberto bem perto, assinado por Gil e por Regina Zappa.
O nome de Gil para ocupar o ministério foi sugerido a Antonio Palocci por amigos do cantor em Salvador, entre os quais João Santana e Roberto Pinho. Lula gostou da sugestão, mas Gilberto Gil ficou em dúvidas sobre se aceitaria ou não o convite, já que tinha uma série de compromissos. Ele decidiu ter uma conversa preliminar com Lula, abordando questões sobre o patrimônio material e imaterial, a preservação de Ouro Preto, o fortalecimento do Iphan. Saiu da reunião realizada em Brasília como ministro nomeado. Recebeu do presidente uma única recomendação: a de democratizar a Cultura. E um conselho: Faça no ministério como você faz quando está no palco. No dia seguinte, na foto oficial dos ministros, todos estavam de terno escuro; Gilberto Gil, de branco. O novo ministro tomou posse com um discurso incisivo, em que desenvolveu o conceito de cultura para além do âmbito restrito e restritivo das concepções acadêmicas ou dos ritos e da liturgia de uma suposta classe artística e intelectual.
– Tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso significa Cultura, algo que em cada objeto que produzimos transcende o aspecto meramente técnico explanou o ministro Gilberto Gil, definindo ainda a Cultura como usina de símbolos de um povo, conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação e como o sentido dos nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos. Gil fez modificações no estilo de vida, passando a se vestir impecavelmente com ternos bem-cortados, de grifes badaladas, sapato italiano, bico fino, gravatas com estilo no corte, no tecido e no design e o uso de algumas estampas feitas exclusivamente para ele. Apesar da elegância na vestimenta, Gilberto Gil não dispensou a bolsinha a tiracolo no melhor estipe hippie dos anos 1970. Só nunca abandonou o violão. O livro biográfico narra que Gil apostou sempre na diplomacia e conversava fluentemente em inglês, francês e espanhol. Deu muita importância aos fóruns internacionais, sobretudo os latino-americanos e os africanos. Tornou-se conselheiro informal da ONU. No ministério organizou um sistema nacional para a comunicação entre União, Estados e municípios no campo cultural e criou um plano de desenvolvimento de dez anos para a cultura. Institucionalizou, também, os Pontos de Cultura, um dos grandes marcos da sua gestão. Ele devolveu a autonomia a órgãos como Iphan, Funarte, Biblioteca Nacional e Fundação Palmares. Uma das grandes questões do seu período foi a rediscussão da legislação controladora do investimento público e privado na cultura por meio da renúncia fiscal.
O ex-ministro abriu o diálogo do Brasil às agendas contemporâneas internacionais de cultura, como a discussão da questão digital, da propriedade intelectual, da economia da cultura e da economia criativa, bem como da diversidade cultural. Nunca um ministério experimentou um crescimento tão expressivo, ainda que insuficiente, dos seus recursos. Nunca houve um ministro da Cultura com um capital simbólico dessa amplitude, diagnosticou o professor da UFBA Paulo Miguez, assessor especial de Gil e secretário de políticas culturais do MinC, de 2003 a 2005. De acordo com ele, o ministro Gil se empenhou em levantar dados sobre a produção cultural brasileira ee informações sobre a cultura dos municípios brasileiros. Miguez frisou ainda: O genial em Gil é que, ao invés de pensar em democratizar a cultura e que é preciso dar acesso às pessoas a essa cultura, ele pensou no conceito de democracia da cultura. Ou seja, na democracia da cultura todos têm o direito de produzir, criar, usufruir e fruir. Sua atuação também gerou polêmicas como a questão dos direitos autorais. Mas Gilberto Gil avaliou como positivos os marcos que deixou à frente da Pasta, acreditando, também, que ofereceu inestimável parcela de contribuição para que a Cultura tivesse mais visibilidade dentro do poder.
Nonato Guedes