Qual o limite entre a ética profissional e o sensacionalismo? O que é mais importante: a informação ou a vida futura de jovens envolvidos na notícia divulgada? Estes questionamentos, sempre tão provocativos, voltaram a ser tema de discussão na Paraíba após a divulgação da notícia de que uma garota de 11 anos deu à luz a uma criança após ser estuprada pelo próprio padrasto. O caso vinha sendo mantido em sigilo pela Polícia, mas vazou para a imprensa e gerou questionamentos com a forma como os meios de comunicação abordaram o tema.
A professora Sandra Raquew Azevedo, do curso de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, fez um desabafo em sua página no Facebook: Não gosto de falar no Facebook. Mas… Assistir noticiário e ver um discurso meio romantizado sobre bebê que nasceu numa maternidade, resultado de estupro de uma criança de 11 anos é muito violento para mim. Claro que a reportagem falou com a Delegada, com o Conselho, com psicólogo, com todos os especialistas possíveis. Todavia não dá para digerir mesmo mostrar berço, parte da criança, as roupas da do bebê, e não levar em conta a exposição da outra criança, do que significa o que ela atravessou, o parto.
O professor Carmélio Reynaldo, também do curso de Comunicação da UFPB, foi irônico em artigo intitulado Criança dá à luz e causa apagão na imprensa, publicado no blog produzido para a disciplina Jornalismo e Cidadania do curso em que é docente. Carmélio pergunta, em seu artigo, qual a importância de se dar publicidade a esse caso. Será que ninguém, dentre os envolvidos na publicidade e até exploração do episódio parou para refletir sobre os fundamentos norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente quando proíbe a divulgação de qualquer indício que possa identificar jovens vítimas de crimes infamantes? Gente, o objetivo é proteger a criança da repercussão presente ou futura (destaco em caixa alta, como levantando a voz: FUTURA!) da violência sofrida! Se divulgar o episódio era totalmente descabido, ainda teve quem se prestasse a exibir a criança evitando mostrar apenas o rosto e isso com a conivência (ou seria CUMPLICIDADE) das pessoas responsáveis pela casa abrigo que têm a obrigação de protegê-la. Que porcaria de casa abrigo é essa que deixa a imprensa entrar e fazer imagens lá dentro?, questionou.
Jô Oliveira fala de outros absurdos envolvendo o episódio: a criança que foi estuprada aos 10 anos, abusada por um período regular e disto foi gerada uma outra criança, que ela pariu neste último fim de semana, aos 11 anos, acaba de “conceder uma entrevista exclusiva” a um famoso programa policial da cidade. Já não basta todos os absurdos que ouvi relacionados a mãe desta criança, agora essa. Não dá pra achar que vale tudo pela audiência… Essa criança está sofrendo outra violência
A indignação não para por ai. Hoje, em sua rede social, a jornalista Albiege Fernandes relata matéria divulgada em telejornal local sobre gravidez na adolescência: Inacreditável! Digam que eu não vi essa reportagem sobre gravidez na adolescência. O foco é na questão financeira!!! Classe média, garotas e garotos alienados, tudo colocado como se fosse mero acaso e o problema é apenas e tão somente, a questão do dinheiro. Uma nova vida, o futuro dessas duas crianças, nada foi abordado. Pontos de destaque: fraldas, roupas que deixem a barriga confortável e saídas para ganhar um extra fazendo salgadinhos. Vale lembrar que essa aberração jornalística foi inspirada pela tragédia na vida da garotinha de 11 anos que deu à luz em decorrência de um estupro. Superficialidade, frivolidade, perversidade e alienação. A gente vê na TV local também.
Vale lembrar que o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros é claro, em seu artigo 11, inciso II: o jornalista não pode divulgar informações de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes. No Dicionário de Comunicação, de Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, assim é definido o sensacionalismo: Estilo jornalístico caracterizado por intencional exagero da importância de um acontecimento, na divulgação e exploração de uma matéria, de modo a emocionar ou escandalizar o público. Esse exagero pode estar expresso no tema (no conteúdo), na forma do texto e na apresentação visual (diagramação) da notícia. O apelo ao sensacionalismo pode conter objetivos políticos (mobilizar a opinião pública para determinar atitudes ou pontos de vista) ou comerciais (aumentar a tiragem do jornal). Falta de ética ou apenas informação jornalística? Com a palavra os leitores, telespectadores, ouvintes e profissionais de imprensa.
Por Linaldo Guedes