Tinha tudo para ser animada e, mais do que isso, fantástica, a Copa do Mundo no Brasil há quatro anos. A presidente Dilma Rousseff tropeçava no português e na erudição, a ponto de instituir a Mulher Sapiens, quando não derrapava para o folclore, exemplo da saudação que fez à mandioca, mas tínhamos atrativos, como a caxirola, um instrumento musical a ser empunhado pela torcida canarinho que faria a trilha da Copa das Copas, como sonhava a presidenta. O projeto da caxirola foi confiado a Carlinhos Brown, assíduo frequentador do Planalto. Tinha verba pública na jogada, recorda Celso Arnaldo Araujo no livro Dilmês O idioma da Mulher Sapiens.
Dinheiro público, como se sabe, é igual a água benta todos querem pegar um pouquinho. Mas, voltando à caxirola: era a versão brasileira, mais acústica do que sonora, da insuportável vuvuzela da Copa da África do Sul, que até agora ressoa mal em nossos ouvidos. Diz Celso: O sonho de Dilma era ver milhares de marmanjos sacudindo um desconjuntado artefato de plástico enquanto celebravam um gol do Brasil. Num discurso em palácio, dirigindo-se a Carlinhos Brown, a presidenta não se fez de rogada: Eu queria começar cumprimentando o Carlinhos Brown. E eu estava dizendo para ele que as pessoas que têm talento, como ele, acham normal ter talento. E acham normal inventar a caxirola.
A impressão de Dilma sobre a caxirola foi tonitruante, em contraste com a percussão discreta do instrumento. Abro aspas para Dilma: Nós, a mim me provoca, na minha ausência de talento musical, provoca uma surpresa que eu acho que todos aqui compartilham. A surpresa diante de uma coisa tão bonita, tão simples, tão sintética e tão representativa do Brasil. A caxirola, no fundo, era um prosaico chocalho em forma de sino. O tipo de chocalho teria sido inspirado no caxixi. Vamos à Wikipedia: Caxixi pequeno cesto de palha trançada, em forma de campânula, contendo pedaços de acrílico ou sementes para fazê-lo soar. No Brasil, é usado principalmente como complemento do berimbau. Dilma estava, porém, em êxtase, como se nunca tivesse ouvido um caxixi ou mesmo um chocalho antes.
Ela foi em frente na apologia a Carlinhos Brown: O Carlinhos é um grande artista. E ele expressa um mundo diverso, mas muito específico, do Brasil, e especialmente da Bahia. A pluralidade, o fato de que esse mundo tem milhões de aspectos. E agora o Carlinhos, nessa sua quase ingênua aceitação de que ah, não, é muito fácil fazer uma caxirola, nos encanta porque ele combina aí a imagem, essa imagem lá, verde e amarela da caxirola, este fato que nós estamos falando de um plástico verde, de um país que tem a liderança da sustentabilidade no mundo e ao mesmo tempo é um objeto capaz de fazer duas coisas: de combinar a imagem com som e nos levar a gols. Tenho certeza que principalmente as crianças desse país vão ter uma experiência muito fantástica com a caxirola. O Carlinhos não disse, mas ele me falou que a caxirola também tem um sentido transcendental de cura, de paz com o mundo, de estar de fato em sintonia com a natureza e com todos os orixás.
Um raciocínio tortuoso? Dilma já havia feito uma digressão sobre a bola, valendo-se de uma bola de folha de bananeira fabricada por indígenas que dirigem SUVs. Dilma, de novo: eu queria mostrar o que é nossa relação antiga com o esporte. Aqui tem uma bola que eu passei o tempo inteiro testando. É uma bola que o Terena me presenteou e que eu vou levar e ela vai durar o tempo que for necessário e ela vem de longe, vem da Nova Zelândia. E é uma bola que eu acho que é um exemplo, ela é extremamente leve. Eu já testei e ela quica. Eu acho que a importância da bola é justamente essa, o símbolo da capacidade que nos distingue como…nós somos do gênero humano, da espécie sapiens. O esporte tem essa condição, essa bênção. Ele é um fim em si e daí porque não é ganhar, é celebrar, participar dos jogos indígenas. Então, para mim, essa bola é um símbolo da nossa evolução. Quando nós criamos uma bola dessas, nós nos transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens.
Simpática a Dilma, não é mesmo? Até que vieram os 7 a 1 da Alemanha contra o Brasil. Mas, para que relembrar isso?
Nonato Guedes