Debruçado sobre farto material para ensaio que me cabe produzir sobre a ascensão e queda do Partido dos Trabalhadores no Brasil, voltei a ter contato com escritos do cineasta paraibano Ipojuca Pontes, que em artigos publicados na mídia sulista e enfeixados no livro Politicamente Corretíssimos acusava o então candidato a presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva de ter feito da intolerância explícita o ponto de apoio de uma retórica capenga e indiferente à época. Achava que Lula mostrava-se completamente irresponsável em momentos delicados da conjuntura institucional brasileira e detonava o PT pela obsessão em avançar no aparelhamento partidário do Estado. Pontes enxergava um pacto entre intelectuais estatizantes e religiosos apóstatas, extremamente vaidosos e arrogantes.
A convite de Fernando Collor de Mello, eleito presidente da República com 35 milhões de votos em 1989, e a quem nunca vira, pessoalmente, Ipojuca assumiu a Secretaria Nacional de Cultura e tentou modificar os vínculos estabelecidos pela ditadura militar e a Nova República de José Sarney entre órgãos da cultura oficial e uma elite cultural viciada nas benesses extraídas dos cofres públicos e subtraídas, a muque, do bolso do trabalhador e dos empresários, conforme descreve um perfil seu publicado no livro a que nos referimos. Encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei que propunha, para produções de obras cinematográficas, isenção fiscal sobre ganhos decorrentes de transações realizadas em mercado, organizados via Bolsa de Valores Mobiliários, base da Lei do Audiovisual vigente no país e que pretendia, então, retirar a produção cinematográfica das garras do controle político/ideológico da burocracia estatal/estatizante.
Irmão de Paulo Pontes e tendo sido casado com a atriz Thereza Rachel, Ipojuca Pontes sempre foi execrado por artistas, cineastas e escritores alinhados com a esquerda em suas variadas vertentes no Brasil por ter ousado ser autêntico nas suas posições e ter denunciado a indústria do subsídio à produção artística-cultural no país. Ele se iniciou no jornalismo em 1962 como colunista diário do Correio da Paraíba e trabalhou no Diário de Pernambucoe Diário Carioca, passando a colaborar com O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Na televisão, foi membro do Conselho de Criação da TV Educativa e debatedor do programa Sem Censura. Politicamente, definia-se como um anarquista conservador. Na Paraíba, cultivou amizade intensa com o jornalista e escritor Severino Ramos, que faleceu recentemente, e é amigo pessoal de Martinho Moreira Franco, outra expressão da nossa imprensa. Fui apresentado a ele no terraço de Biu Ramos e Lúcia Sá e lembro de um debate profundo que travamos sobre a conjuntura nacional, em que, na opinião de Biu, surpreendi por não ter dado trégua a Ipojuca e por ter adquirido a admiração ou simpatia deste pelos argumentos mais ou menos concatenados que expus para contraditá-lo em certas questões. Só lamentei não ter gravado aquele duelo, disse-me Biu, depois, com sua generosidade.
A profecia temerária de Ipojuca sobre implantação de Estado terrorista por Lula caso ascendesse à presidência da República não chegou a se consumar, na proporção por ele imaginada. Mas Lula e o PT fizeram pior, estimulando descaradamente o clientelismo político e patrocinando uma rede de corrupção cujos tentáculos espalharam-se nas diversas esferas do poder. O objetivo final, como parece elementar, era financiar o projeto de poder imaginado para décadas de durabilidade. A História não deu guarida a essa pretensão de Lula e dos seus cúmplices. Ipojuca tinha razão nas suas análises. E, note-se, mesmo tendo servido ao governo Collor, nunca deixou de tecer críticas a posturas equivocadas que este cometeu. Anarquista conservador? Talvez. E bem que o Brasil carece de suas luzes nessa conjuntura surrealista que vivemos.
Nonato Guedes