No país dos chatos em que o Brasil vai se tornando, o apresentador Luciano Huck está livre de bombardeio porque saiu do páreo como provável candidato a presidente da República. No período em que circulou como suposto postulante ao Planalto, ele foi carimbado de todas as formas. O ex-presidente Lula, que ainda acredita piamente que pode ensinar moral a qualquer pessoa, partiu logo para a bravata, como é do seu feitio: “Terei grande prazer em enfrentar nas urnas um candidato com o logotipo da Globo”.
O ex-presidente tenta passar a ideia de que é anti-Globo, anti-Marinho (os donos das Organizações Globo). Lula é contra a Globo quando está na oposição, o que não deixa de ser um fato curioso. Esteve duas vezes na presidência da República e não fez qualquer orquestração sistemática contra a Globo, além das queixas pontuais que todo presidente faz em relação à cobertura da imprensa. Fotos antigas, de quando Lula ainda era um líder metalúrgico emergente e tentava construir passo a passo o Partido dos Trabalhadores, mostram o então fenômeno político em animadas conversações com o falecido doutor Roberto Marinho e outros prepostos, na época, da cúpula da Rede Globo.
Estamos no país dos chatos e das conveniências. Quando a Globo abre espaços generosos para um político, tome elogios. Quando ignora ou minimiza os espaços desse político, tome bomba, tome cartazes, tome gritos do “Abaixo a Rede Globo porque o povo não é bobo”. O caso de Luciano Huck é emblemático. Com a classe política sem ibope junto ao eleitor e parte dela trancada em celas policiais no Brasil é natural que surjam candidatos messiânicos, frutos da desilusão popular com os líderes que estão aí. Huck nunca passou, até agora, de um comunicador. É sua especialidade – e como comunicador estendeu as atividades, passando a ser dono de negócios empresariais. Enquanto era só comunicador ou comunicador-empresário, não incomodava a Lula nem ao PT. Bastou o noticiário colocá-lo como opção à presidência da República, o mundo abaixo. O PT e Lula, de pronto, encontraram defeitos no marido de Angélica e começaram a queimação.
Foi uma queimação mais forte do que a queimação contra Jair Bolsonaro porque Luciano Huck, a exemplo de Fernando Collor em 1989, tornou-se uma ameaça potencial a Lula, na cabeça dos lulopetistas. De concreto, a grande ameaça a Lula é a condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro e que vai se desenrolar agora pela segunda instância judicial, podendo resultar ou não na prisão do ex-presidente da República. Em último caso, Lula pode até não ser preso – mas corre o risco de ser inelegível como candidato se os prazos de condenação lhe forem desfavoráveis no curso da batalha eleitoral paralela que vai vir. A sentença da condenação, e não Luciano Huck, que já está fora do páreo, é o que desmonta Lula psicologicamente, o que agrava os lulopetistas. Lembre-se que em 89, além de Collor, o PT temia uma virtual candidatura do apresentador e dono de rede de TV Sílvio Santos, do SBT. Tanto foi feito – também da parte de Collor – que a chapa de Sílvio, tendo o paraibano Marcondes Gadelha na vice, foi impugnada. Não pôde concorrer. Aí ganhou o Collor, que em 92 foi apeado do poder. O PT só ganhou nas urnas em 2002.
A orquestração recém-encerrada contra Luciano Huck pelo fato de que ele não é mais candidato revela uma das facetas do PT que muitos lulopetistas fazem questão de ignorar – ou, se for o caso, justificar: o perigo da generalização. Insinuar que qualquer apresentador da Globo é candidato por imposição ou pressão da cúpula da empresa é de uma estultice à toda prova. Não sei se é o caso de Luciano, mas há apresentadores de rádio ou televisão que costumam se julgar mais importantes do que as emissoras para as quais trabalham. Acreditam que levam para qualquer lugar a audiência que ocasionalmente estão obtendo. Quem conhece os bastidores dos meios de comunicação sabe que não é bem assim. Mas é preciso dar um basta a esse preconceito contra jornalistas de órgãos de comunicação influentes. O fato de ser comunicador não é passaporte automático para eleger candidatos. E o fato de alguém ser da emissora A ou B também não traduz, necessariamente, uma operação da empresa para eleger o dono do poder, seja governador, prefeito ou presidente da República.
Já que pela enésima vez estamos passando o país a limpo, está na hora de colocar os pontos nos is, enterrar preconceitos alimentados com segundas intenções e informar o público corretamente sobre quem é quem. Já é demais sermos um país chato. Que não sejamos, também, um país mentiroso – pelo amor de Deus!
Nonato Guedes