A mulher do presidente eleito, Michelle Bolsonaro, aparenta ter condições de reinventar o papel de primeira-dama, que, no Brasil, é estereotipado ou embalado em rótulos que giram em torno de futilidades, nunca de um protagonismo efetivo, até político, das que são agraciadas com a prebenda honorífica. Uma reportagem da revista Istoé radiografou as origens humildes de Michelle, ligada a familiares do Nordeste e com uma vivência concreta em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, que ainda acolhe amontoados de lixo nas ruas, diferentemente do neon jogado pela Capital Federal, pelo menos para figuras deslumbradas com o poder e a magia que habita em BSB.
Estamos na iminência de termos uma primeira-dama de fibra, com posições fortes, independentes, focada em preocupações sociais com os setores marginalizados e nem um pouco obcecada com o falso brilho da Capital inaugurada por Juscelino Kubitscheck. Primeira-dama não constitui um cargo formal, mas um posto decorativo que se convencionou incorporar à geografia do poder. Isso não impede que o protocolo seja quebrado está aí para isso mesmo e que primeiras-damas se atirem com desassombro a missões difíceis, a cruzadas teoricamente inviáveis, materializadas, todavia, pela vontade política de governantes. Ainda que eivadas de uma certa aura mística que deve fazer parte do universo do clã Bolsonaro, declarações de Michelle expressam uma mulher sinceramente sensível e, mais do que isso, uma mulher que age, que não se contenta com a retórica ou com os flashs de fotógrafos e cinegrafistas.
Tivemos primeiras-damas que se credenciaram ao respeito da opinião pública por gestos altivos, como Thereza Goulart, a mulher do presidente deposto em 64 João Goulart, que ficou solidária com ele até a morte e que encontrou forças para a dolorosa travessia do exílio. E tivemos primeiras-damas que se credenciaram por atos concretos, como Marisa Letícia, a mulher de Luiz Inácio Lula da Silva, sua companheira nas jornadas perigosas do sindicalismo no ABC paulista, a parceira na construção do PT, oferecendo seu quinhão no bordado singelo e criativo da marca da legenda que empolgou massas metalúrgicas e de outras vertentes do operariado. Uma mulher que se fez grande na adversidade com Lula preso quando metalúrgico, no regime militar e no ocaso dele na presidência da República, tendo sido poupada do que seria, para ela, a grande tragédia: a prisão do marido, companheiro e pai de seus filhos. Marisa tinha a dignidade das mulheres que vão para o front, diferentemente daquelas de Atenas que ficavam tecendo bordados e cuidando das suas melenas enquanto os maridos, bravos guerreiros, lutavam lá longe.
No contraponto, tivemos primeiras-damas enclausuradas, como dona Scylla Médici, a mulher do general Garrastazu, e dona Lucy, a mulher de Ernesto Geisel. Ou fúteis, como Dulce Figueiredo, mulher do último presidente da ditadura militar, e Rosane Collor, ex-mulher de Fernando, a provinciana de Canapi, nas Alagoas, que num primeiro momento se fez exibicionista em Brasília e, no segundo, foi pilhada com a mão na massa, em atitudes suspeitas na LBA, cujo comando lhe fora entregue. Houve dona Ruth Cardoso, que se impunha pela sua formação intelectual e de engajamento político. Há Marcela Temer, cujo marido, Michel, trata como bibelô e que foi descrita por Veja como bela, recatada e Do Lar, na prática impedida de tocar programas sociais. Vem a Era Michelle. Com tudo para chacoalhar o papel de primeira-dama e inscrever seu nome na História do Brasil. O tempo dirá!
Nonato Guedes