Quarenta anos carregando aquela capa nas costas não foram suficientes para fazer o ministro Marco Aurélio Melo aprender alguma coisa utilitária para a preservação das instituições no Brasil, um país ainda vulnerável a golpes e casuísmos a qualquer hora, a qualquer momento. No apagar das luzes da atuação do Supremo Tribunal Federal este ano, o ministro quis protagonizar o fato do ano. Acabou produzindo uma boutade jurídica, que provocou agitação com reflexos na área institucional e política e um travo de frustração para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a doze anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Que propósito induziu o ministro a requerer a soltura de Lula com isto implicando na concessão de liberdade a outros 169 mil apenados no Brasil? Que rasgo de insensatez desabou sobre uma figura que até então aparentava lucidez, judiciosidade no trato das questões controversas, tal como se deu em episódios amplamente polêmicos como o julgamento do mensalão pela mais alta Corte de Justiça do país? Marco Aurélio, decerto, correu atrás dos holofotes. Queria visibilidade, num momento em que a credibilidade das instituições está em frangalhos. Ao mesmo tempo, intentou posar de bom velhinho, do Papai Noel só que um Papai Noel diferente, que ao invés de proteger a sociedade instaura a ameaça, a instabilidade.
Já não bastam as tensões ainda remanescentes da campanha eleitoral a presidente da República, nem tampouco as restrições decorrentes do vai-e-vem de declarações de ministros e ministras que o presidente eleito Jair Bolsonaro nomeou ou anunciou? Não é suficiente a insegurança de parcelas expressivas da sociedade quanto ao futuro do País a partir do futuro do governo que vai se instalar e que ainda é uma espécie de caixa-preta, devido ao monossilábico discurso de intenções que Bolsonaro tem pronunciado? É preciso tocar fogo mesmo, a pretexto de nada, ou a pretexto de revanche, por Lula estar preso e não novamente na presidência da República? Quanta imaturidade ridícula a do ministro Marco Aurélio, atiçando a sociedade com um espetáculo pirotécnico convertido em pastelão!
A Justiça tem prazos, costuma repetir isso quando é cobrada ou patrulhada pela própria imprensa. Como repórter, ouvi de vários magistrados, num diapasão, a ressalva de que o tempo da Justiça nem sempre é o tempo da sociedade- uma forma de dizer que o Poder Judicante não se submete a pressões nem se deixa coagir, pelo menos em tese ou na aparência, porque, no fundo, as injunções que sofre são assaz conhecidas. A questão da prisão ou não de condenados em segunda instância e isto é um dado curial, elementar até demais precisa ser dirimida no âmbito do colegiado, da composição de onze ministros do Supremo Tribunal Federal, para só então virar jurisprudência, sentença definitiva. Se fosse mantida em vigor a liminar demagógica de Melo, milhares de condenados que cumprem pena antes da análise de seus recursos pelos tribunais superiores estarão nas ruas, convivendo lado a lado com cidadãos de bem que pagam impostos escorchantes na vã ilusão de que estão protegidos pelo Estado. Como pontuou a procuradora Raquel Dodge, a decisão de Marco Aurélio sinaliza um triplo retrocesso: para o sistema de precedentes jurídicos, a persecução penal no país e a credibilidade da sociedade na Justiça. Em suma: para usar uma expressão do ministro Ayres Britto, em situação análoga, a liminar de Marco Aurélio foi um ponto fora da curva.
Nonato Guedes