A falta de apoio ostensivo das mulheres brasileiras, que são a maioria do eleitorado, à ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no episódio do seu impeachment é tema que ainda hoje intriga cientistas e analistas políticos que se recusam a partilhar a tese de que mulher não confia em mulher. No caso específico de Dilma, há um outro viés de interpretação: o de que ela não contou com apoio maciço porque se isolou à frente do poder, embora no discurso de posse, em janeiro de 2011, quando assumiu pela primeira vez, tenha enfatizado que sua investidura significava uma oportunidade histórica, abrindo espaço para que outras mulheres trilhassem a mesma trajetória ascendente.
Alguns analistas da imprensa do Sul chamam a atenção para o fato de que nem Dilma nem o PT organizaram uma campanha popular de resistência ao impeachment, talvez porque tenham ficado intimidados com a forte reação popular a escândalos decorrentes ainda da Era Lula e que se estenderam pelas gestões de Dilma. O “mensalão”, por exemplo, foi descoberto em plena fase de lua de mel do ex-presidente Lula com a sociedade, tanto que ele resolveu não dar maior importância nem determinar medidas para neutralizar o escândalo. O “petrolão” explodiu com toda força no governo de Dilma, mas há indícios de que era remanescente da Era Lula, quando se fez a apologia da exploração de petróleo na camada de pré-sal e da divisão dos royalties dessa exploração entre Estados e municípios.
Hoje o pré-sal parece ter saído de pauta e a Petrobras, que já foi patrimônio nacional incontestável, bandeira de lutas populares na década de 50, luta a duras penas para reconquistar credibilidade, reorganizar parcerias e fechar contratos internacionais de monta. É um trabalho hercúleo de bastidores, que está sendo tocado por auxiliares de confiança do presidente Michel Temer (PMDB), que se investiu com o afastamento definitivo de Dilma votado pelo Congresso Nacional. Outros analistas políticos alertam que Dilma nunca se preocupou em firmar liderança própria ou autônoma, preferindo o comodismo de ficar à sombra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É verdade que a ex-presidente tem insistido no argumento de que Lula sempre foi o líder maior, dentro do PT e na faixa de oposição ao PSDB, mas Dilma tinha espaços concretos para se afirmar como liderança sem necessariamente entrar em atrito com Lula. Ambos formariam um casal na política, unidos por ideais e por bandeiras de luta.
Há a circunstância de ter sido Lula quem descobriu o potencial eleitoral de Dilma ou quem lhe transferiu esse potencial, conseguindo uma façanha na história política brasileira onde são raríssimos os casos de transferência de votos. Tal circunstância teria assegurado a Dilma as credenciais para que se tornasse o “poste” que Lula foi capaz de eleger, como se dizia na época da disputa eleitoral. A passagem de Dilma pela presidência da República, a despeito do impeachment, segundo avaliam líderes petistas nacionais, não foi de todo inútil para o Partido dos Trabalhadores. Logrou o milagre de o partido aceitar ser presidido, hoje, por uma mulher, a senadora Gleisi Hoffmann, do Paraná, depois de demorada hegemonia masculina. Adversários do PT afirmam que a ascensão de Gleisi foi providenciada como contraponto à queda de Dilma e como estratégia para atrair o voto feminino, que continua sendo expressivo, embora a ele não corresponda a quantidade de cargos políticos exercidos por mulheres e que é considerada desvantajosa para elas.
Dilma Rousseff insistiu em dar um tom sexista, de discriminação de gênero contra ela, ao processo de impeachment de que se considerou vítima. Isto foi interpretado como uma manobra astuciosa da própria Dilma para garantir espaços que possibilitassem seu retorno triunfal à vida pública já em 2018, beneficiando-se da anistia que lhe foi dada por sugestão do senador Renan Calheiros e que não a inabilitou por dez anos, do ponto de vista dos direitos políticos, tal como aconteceu com Fernando Collor de Melo, alvo de impeachment em 1992. A alegação de Renan para fazer valer o que chamou de “emenda” foi a de que Dilma já teria sido punida em demasia com o afastamento da presidência da República. O presidente do Supremo Tribunal Federal, então Ricardo Lewandowski, que estava presente à sessão do Congresso em que pipocou a proposta Renan Calheiros, não questionou a validade da chamada “emenda”. Seja como for, independente dos reflexos que venham a acontecer em termos de densidade eleitoral, Dilma Rousseff parece indecisa sobre a hipótese de concorrer ao Senado ou a uma vaga de deputada federal. Interlocutores com acesso a ela dizem que a ex-presidente não se sentiria à vontade convivendo no Congresso com políticos que foram algozes seus, votando pelo processo de seu impeachment.
Nonato Guedes