Quem alerta com muita propriedade é a amiga Michele Almeida, parceira no Facebook: o Brasil está um país estranho. E eu acrescento: é pior ainda, Michele. O Brasil é um país careta. Aqui, os sinais estão trocados por obra e graça do governo do presidente Jair Bolsonaro governo que, aliás, está bagunçado, com o vice-presidente conspirando, ministros dizendo asneiras, filhos do mandatário querendo governar escondendo-se no papel de robôs de redes sociais. Michele lembra algumas aberrações típicas dessa Era bolsonariana: o ministério da Cultura foi extinto, os artistas são tratados como inimigos, o torturador Brilhante Ustra é endeusado como herói, Olavo de Carvalho dá lições como filósofo, embora seja um gigolô intelectual. E, para completar, nem Chico Mendes sobreviveu, como na música de Luiz Gonzaga. Na versão do governo de Bolsonaro, o seringalista-mártir é irrelevante.
Irrelevante tem sido o atual governo, de tal sorte que o presidente, vítima de uma facada atroz, retrato da intolerância política, tem batido o ponto mais nos hospitais do que nos gabinetes palacianos. O mal do governo é querer opinar sobre tudo, sem necessariamente entender de nada. Uma outra característica fora da ordem, como diz Caetano Veloso, é a caça às bruxas atingindo segmentos representativos da sociedade. Ainda agora, a gestão de Bolsonaro se indispõe com a Igreja Católica porque a instituição deseja acompanhar debates envolvendo o futuro da Amazônia. Não consigo enxergar o ponto em que há intromissão indébita da Igreja nesse sentido. Meus neurônios não devem ser lá tão equipados.
Às vezes, sou tentado a conceder o benefício da dúvida quanto às intenções do presidente Bolsonaro. Mas ele mesmo cuida de desestimular esses gestos, com atitudes arrogantes típicas de quem dá ou recebe ordens em quartel. Aliás, desde o começo do governo, tenho chamado a atenção para a militarização crescente desenhada no metro quadrado da administração. Generais esbarram em coronéis, que por sua vez batem continência constantemente entre si, como se estivessem na caserna. Nada contra a presença de militares desde que em missões específicas, inerentes à sua especialidade e sem o comichão da ingerência política, do palpite aloprado sobre todos os assuntos, da teoria Quântica ao Axé da Bahia. Ah, também há os desmentidos. Nesse ponto, o governo Bolsonaro é recordista. Não se passa um dia sem que o governo venha a público dizer que não disse aquilo. Ou que aquilo que foi dito não era bem o que deveria ter sido dito. Enfim, desenrola-se no círculo de poder uma sarabanda patética, que confunde a Nação sobre os propósitos a serem perseguidos.
Para ser sincero, o brasileiro médio ainda se esforça para dar um crédito de confiança ao ministro Sergio Moro, da Justiça, apesar da controvérsia natural que ronda medidas por ele anunciadas para o combate ao crime, à onda de violência, e a outros delitos tipificados em lei e que avançam pelo território da política, como o malsinado caixa dois, de que tanto se valeu o Partido dos Trabalhadores, invocando, quando pilhado em flagrante, a desculpa de se tratar de recurso não contabilizado. Um eufemismo nascido do cérebro do ex-tesoureiro Delúbio Soares, ou, talvez, soprado a ele, para defender o indefensável o velho caixa dois, por onde escoa o ralo da corrupção.
Falta urgentemente ao governo do presidente Jair Bolsonaro descobrir que ele não foi posto no Planalto para fazer proselitismo ideológico, emitir opiniões sobre o dualismo direita versus esquerda, tentar incutir lavagem cerebral nos cérebros em formação nas escolas públicas, nas universidades, para fazer valer, na marra, a doutrina bolsonarista, um conjunto de ataques e de expressões jogadas a esmo, jamais um arrazoado de ideias capazes de fazer o Brasil avançar na Era do Conhecimento Mundial. É uma pena que voltemos à estaca zero. De minha parte, vou logo avisando: não há perigo de abrir mão da admiração que tenho por Paulo Freire, substituindo-a por loas aos filhos de Bolsonaro, porra loucos que ficaram deslumbrados com o poder das redes sociais e acreditam que exercem o poder de fato. Está na hora de Bolsonaro chamar o feito à ordem, despir-se de preconceitos e assumir-se, senão como um estadista, por não ter porte para tanto, mas como o presidente que governa obcecado pelo livrinho de que falava Dutra o da Constituição Democrática. Este é o mantra que precisamos cultuar.
Nonato Guedes