No dia 07 de abril completará um ano que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva cumpre ordem de prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, conforme investigações desencadeadas no âmbito da Operação Lava-Jato. De lá para cá, houve uma eleição presidencial na qual Lula pretendia concorrer, mas foi impedido pelo TSE; o PT perdeu a eleição em segundo turno com Fernando Haddad enfrentando Jair Bolsonaro (PSL), no mais visível confronto ideológico entre direita e esquerda já verificado na história recente do país e a perspectiva de futuro é uma incógnita, tanto para Lula como para o petismo e para o cenário institucional brasileiro.
Um dado a ser assinalado em toda essa cronologia é a pressão constante feita por partidos de oposição a Bolsonaro, entidades da sociedade civil e organizações de direitos humanos com conexão internacional, protestando contra a prisão do ex-presidente, que é avaliada como ato de perseguição política e reivindicando a soltura-já. Isto tem sido feito em períodos alternados por ocasião de manifestações políticas, artísticas e culturais. Passou a ser comum que na apresentação de shows de celebridades como Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda o refrão Lula Livre seja entoado com aquiescência das estrelas dos espetáculos.
Por outro lado, organismos como a ONU têm sido pressionados sistematicamente a interceder pela liberdade do ex-presidente, que governou o país por duas vezes e elegeu uma mulher, Dilma Rousseff, como sucessora, além de ter sido decisivo para a reeleição dela, tisnada pelo processo de impeachment decretado pelo Congresso Nacional e que redundou na ascensão do vice Michel Temer, do MDB, à presidência da República, até transferir a faixa para Jair Bolsonaro. A ONU e outras instituições se sensibilizaram com os apelos procedentes do Brasil e em paralelo com a orquestração para a libertação de Lula mantém um monitoramento sobre as suas condições de saúde. Na agenda internacional, embora com menos intensidade, tem constado das manifestações a denúncia sobre ter sido um golpe o impeachment de Dilma, motivado por alegadas irregularidades administrativas, entre as quais a prática de pedaladas fiscais detectadas pelo Tribunal de Contas da União.
O ex-presidente Lula saiu da cela na Superintendência da PF em Curitiba para prestar depoimentos e para ir ao velório de um neto, recém-falecido, vítima de meningite meningocócica. Essas saídas de Lula têm sido pontuadas pela execução de um aparato de segurança poucas vezes visto na história do País. Os petistas e outros aliados de Lula acusam o governo do presidente Bolsonaro de engendrar uma conspiração do silêncio e da ocultação de Lula, privando-o de contato mais direto com as massas. O governo responde que o aparato se justifica pela iminência de transformação dos deslocamentos do ex-presidente em atos políticos ostensivos. Para os bolsonaristas, Lula e o PT recusam-se terminantemente a descer do palanque e a reconhecer que um princípio dogmático do Partido dos Trabalhadores foi ferido de morte a ética, uma vez que figuras de proa remanescentes da agremiação cumprem penas ou respondem a processos por acusação de corrupção e locupletação em proveito próprio.
As duas narrativas distintas ou extremamente conflitantes têm permeado a conjuntura política brasileira desde que o PT foi apeado do governo federal, enfrentando um processo de desmonte de quadros e de perda de outros devido a condenações judiciais. Essa situação acaba criando dificuldades para a movimentação de outras forças de oposição, já que a condição atribuída a Lula como mártir põe o PT na linha de frente da resistência ao governo de Bolsonaro. O ex-candidato a presidente da República Ciro Gomes, do PDT, queixa-se, por exemplo, da teimosia dos petistas que, segundo ele, não aceitam fazer autocrítica dos erros cometidos durante sua passagem pelo poder e nem abrem terreno para alianças em torno de outros nomes representativos do arco oposicionista.
Lula, evidentemente, não é o mesmo ele assume, convictamente, o papel de mártir. Sua solidão em Curitiba, no prédio da PF, foi bastante frequentada nesse quase um ano de reclusão. O ex-presidente foi liberado para receber visitas de deputados, senadores, governadores, além, é claro, dos advogados, alguns deles nomeados pelo próprio Lula como tática para aprofundar conversas políticas, a exemplo de Haddad, que saiu de uma visita ungido como candidato de Lula, galvanizou apoios internos e no front oposicionista e emergiu do páreo presidencial com um cesto apreciável de votos 45 milhões. A figura maior, mais emblemática, dentro do PT, continua sendo Lula. E as controvérsias sobre o futuro levam em conta a indefinição sobre a sorte judicial do ex-metalúrgico que fundou o PT e se elegeu duas vezes presidente da República.
Nonato Guedes