Os tucanos, sob a batuta de João Doria, governador de São Paulo, que entronizou Bruno Araújo (PE) na presidência nacional do PSDB dentro da proposta de repaginar a agremiação, parecem ter criado coragem e, finalmente, sinalizam com algum tipo de punição, que seria suspensão, ou até mesmo expulsão, do deputado federal Aécio Neves (MG). Era medida profilática que já deveria ter sido tomada há bastante tempo. Aliás, para sermos justos, o PSDB deveria ter sido o primeiro partido alcançado pelo rigor da lei no episódio do mensalão, que vitimou cruelmente o PT, ceifando quadros exponenciais da legenda lulista. Explico: o mensalão tucano antecedeu o mensalão petista. E eclodiu justamente em Minas Gerais, tendo como protagonista o ex-governador Eduardo Azerêdo, que levou um tempão para ser fisgado pelo braço da Lei.
O PT importou a experiência do mensalão tucano e até mesmo alguns de seus cabeças, como quem lembra? o publicitário Marcos Valério, o carequinha que era incensado como bamba no marketing, até descobrir-se que tinha outras habilidades, digamos, mais rentáveis. Valério e seus parceiro(a)s entraram de cambulhada no mensalão petista, que, na época, fazia a festa de Delúbio Soares, o rapaz do dinheiro não contabilizado (eufemismo tipicamente brasileiro para sonegação), José Dirceu, o bravo, que não delatou ninguém e por isso é sempre aclamado nas assembleias petistas e outros menos ou mais votados. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal deu prioridade, talvez por ter sido escandaloso demais, ao mensalão do PT, produzindo um julgamento que pareceu uma eternidade e que extraiu pérolas da sabedoria jurídica incorporadas hoje aos livros de História, como a do ministro Ayres de Brito de que tudo simbolizava um ponto fora da curva.
O ministro Joaquim Barbosa foi o relator do mensalão no âmbito do Supremo e não poupou rigor contra os petistas, quer na tomada de depoimentos, quer ao externar seu próprio juízo de valor diante das provas (não de indícios) que se avolumavam à sua frente. Outros ministros da Suprema Corte, que hoje buscam se penitenciar, num jogo ciclotímico que surpreende a opinião pública, esbaldaram-se nos holofotes, oferecendo contribuições até pitorescas à construção de neologismos em que somos pródigos. Mas, quanto aos tucanos, estes sobreviviam incólumes, apesar do pioneirismo da empreitada de assalto aos cofres públicos. Não esqueçam que estamos falando do mensalão não do petrolão e dos escândalos subsequentes que, estes, sim, golpearam o petismo na jugular. E quanto ao doutor Aécio Neves, é recém-condenado numa ação que não tem nada a ver com o originalíssimo mensalão mineiro, mas com outras falcatruas em que ele revelou dons de gatunagem nunca antes percebidos na história política brasileira.
O PSDB foi condescendente demais com o ex-senador Aécio Neves, que deslustrou a memória honrada do parente ilustre Tancredo de Almeida Neves, aclamado presidente da República mas impedido de assumir por causa de enfermidade que já corroía o organismo. Tancredo, além de simbolizar formalmente a Nova República, simbolizou algo muito caro para brasileiros e brasileiras: a volta da esperança, assentado nos pilares da Justiça Social, do Desenvolvimento Econômico e do resgate da moralidade e da austeridade. Tudo o que Aécio não assimilou e, portanto, não constava da sua cartilha como líder político emergente, que ganhou a confiança do PSDB até para ser candidato a presidente da República, porque aparentemente representava sangue novo, perspectiva de oxigenação numa legenda que pugnava por ser diferente do tradicional PMDB e de outras agremiações que já não tinham o que dizer à sociedade.
Aécio empalmou o governo de Minas Gerais por dois mandatos, a presidência da Câmara dos Deputados, o mandato de senador, o que quer dizer que foi bem aquinhoado na vida pública. Faltou a presidência da República, mas esse era um detalhe talvez a conquista do cargo não figurasse no seu horóscopo. Tratado até anteontem com honras e mais honras dentro do PSDB, apesar de já vir dando sinais de estar acumulando um prontuário ao invés de um currículo atraente e modelar, Aécio contou no Supremo Tribunal Federal com a benevolência de ministros, não obstante o alentado dossiê de acusações no rastro de sua passagem.
O PSDB, que está com uma saudade enorme do poder e que por isso mesmo anuncia um processo de metamorfose, com novos quadros e perspectiva de adoção de princípios éticos e morais compatíveis com a voz rouca das ruas, quer se livrar de Aécio porque o considera um estorvo e símbolo de uma época que a legenda tenciona enterrar, definitivamente. Assim são os partidos, assim são os líderes. A hora de Aécio pode estar chegando, como chegaria, mais cedo ou mais tarde.
Nonato Guedes