O apoio de um político popular a um correligionário em uma eleição, conhecido como transferência de votos, é amplamente estudado na ciência política.
Esse fenômeno é abordado como um atalho cognitivo ou heurístico que eleitores adotam para auxiliar em seu processo de escolha eleitoral.
É frequente em contextos eleitorais complexos como o brasileiro, com muitos partidos e candidatos e pouca clareza ideológica e programática, o emprego de estratégias que facilitam a escolha, reduzindo a sobrecarga informacional.
Esses atalhos são variados: identificação partidária, embora restrita a poucos partidos no Brasil; afeição a um candidato, prevalecendo a emoção e a simpatia à pessoa; e o atalho do endosso (endorsement), que remete ao apoio de uma personalidade e à transferência de votos.
O tipo de endosso mais comum na política brasileira é aquele de um político popular, querido pela população.
Há diversos casos concretos da efetividade da heurística do endosso na conquista de votos. Em 2010, Dilma Rousseff foi eleita como a candidata de Lula e de continuidade ao governo petista que atingia, naquele momento, recordes de popularidade.
Outro exemplo é a continuidade de governadores de uma mesma linhagem política no Ceará: Tasso Jereissati, Ciro Gomes, Lucio Alcântara e Cid Gomes. Ou em Pernambuco, quando Paulo Câmara sucede a Eduardo Campos.
Contudo, há também inúmeros casos de fracasso. A vitória eleitoral de Cristovam Buarque do PT nas eleições de 1994, derrotando Valmir Campelo, então apoiado pelo popular governador Joaquim Roriz, vem à mente.
Mais recentemente, Eduardo Paes, relativamente bem avaliado, não conseguiu fazer de Pedro Paulo seu sucessor. A óbvia pergunta é: por que alguns políticos conseguem, através de seu apoio a um candidato, auxiliar em sua eleição, enquanto outros não?
Quais são os fatores que condicionam a transferência de voto ou o efeito do endosso na escolha eleitoral? Cabe verificar o que está associado à transferência de voto em casos de sucesso e fracasso.
Nos casos de sucesso, há algo óbvio em comum: os políticos eleitos foram sucessores imediatos e atuavam nos governos de seus padrinhos políticos, sempre bem avaliados pela população e altamente populares.
Ou seja, para que a transferência de voto seja efetiva, é importante haver uma relação direta com um governo de sucesso, de amplo apoio popular, do qual esse candidato (a) tenha participado.
Para eleger um poste, como se diz popularmente, só um governante excepcionalmente bem avaliado e em uma situação econômica muito favorável. É simples: governantes bem avaliados tendem a ser reeleitos e tem enorme chance de fazerem sucessores.
Por outro lado, o que explica o fracasso na transferência de votos? Nesse caso, a culpa recai sobre o perfil do candidato escolhido como sucessor e/ou alguma fragilidade do governo/personalidade que o apoia.
Quando o candidato escolhido é pouco carismático ou tem outras fragilidades, suas chances de sucesso são menores. Adicionalmente, as características da oposição também interferem. A presença de candidatos competitivos na oposição que normalmente se sentem estimulados a concorrer quando o governo apresenta sinais de fragilidade dificultam o sucesso da transferência de votos.
O que esperar das eleições de 2018? Em primeiro lugar, 2018 é muito diferente de 2010, quando Dilma foi eleita na esteira de uma situação econômica muito favorável e de um Lula em seu apogeu. Era praticamente impossível ocorrer outro resultado.
Em 2018, Lula segue resiliente na liderança das pesquisas, mas agora preso e após um governo petista responsabilizado pela avassaladora crise econômica que começa em 2014 e no centro dos escândalos de corrupção.
Ademais, o candidato escolhido para receber o endosso de Lula é um ex-prefeito de São Paulo que perdeu a disputa por sua reeleição e terminou seu governo com baixa popularidade.
Há oportunidades para a oposição. As escolhas que esta fizer sobre quem atacar e como se posicionar serão decisivas para o sucesso da estratégia petista de transferência de votos.
Assim, embora o endosso de Lula seja um importante atalho cognitivo para os eleitores nas eleições que se aproximam, resta ver como os condicionantes desse processo operarão no cenário indefinido e incerto de 2018.
Certamente, a eleição não é previsível como a de 2010, e vaticinar quem estará no segundo turno é muito mais desejo, ou bravata, do que realidade.
Por LUCIO R. RENNÓ – Presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e professor associado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília