Depois de Alberto Dines, perdemos, ontem, Audálio Dantas, um jornalista alagoano testado na adversidade, premiado pela ONU na categoria dos Direitos Humanos e que foi de uma combatividade admirável no episódio do assassinato de Vladimir Herzog, nos anos de chumbo, nos porões do Doi-Codi de São Paulo. Audálio, cuja sensibilidade de repórter fê-lo lançar ao mundo a lição contida na poesia de Cora Coralina, era presidente do Sindicato de Jornalistas de São Paulo quando Herzog foi morto pela repressão da ditadura militar. Juca Kfouri, num depoimento sobre a história que viveu perto de Audálio, que testemunhou quase minuto a minuto, lembra que pairava um clima de medo diante do assassinato covarde de Vladimir Herzog nos porões da ditadura.
É dele o relato: Diziam que o meu nome estava numa lista e que viriam me buscar. Só em dois lugares, no entanto, eu me sentia seguro. Só em dois lugares eu sentia medo com segurança. Na Cúria Metropolitana, casa de dom Paulo Evaristo Arns, cardeal Arns de São Paulo, e na rua Rego Freitas, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, casa de Audálio Dantas. E como eu não era nem padre, nem freira e nem sequer coroinha, e já era jornalista, eu não saía da casa de Audálio Dantas. Talvez ele nem saiba, mas para muitos de nós ele era um sinônimo de segurança, de proteção. E vi um homem preocupado, mas sereno, fustigado, mas firme, tenso, mas equilibrado, corajoso sem ser temerário, sensato sem ser dono da verdade, incapaz de uma demagogia, um blefe. Estamos acostumados, com justa razão, a lembrar do ato ecumênico da Catedral da Sé como um ato que mudou a História do Brasil e, por isso, reverenciamos os três pastores que o conduziram, o cardeal Dom Paulo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo James Wright. Frequentemente, no entanto, porque somos o país que somos, deixamos de lembrar que se não fosse pela atitude de Audálio Dantas naqueles dias sombrios, não teríamos o Ato da Sé. Audálio Dantas costuma dizer que seu melhor trabalho foi o papel que desempenhou no Caso Herzog. De fato, porque, então, ele foi testemunha e protagonista, escreveu a História e nela foi inscrito. Esse depoimento é um trecho do discurso de Juca Kfouri na entrega do título de Cidadão Paulistano ao jornalista Audálio Dantas, na noite de 09 de junho de 2008 na Câmara Municipal de São Paulo.
Conheci Audálio Dantas em Brasília, junto com Carlos César Muniz eu presidente da Associação Paraibana de Imprensa, ele presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba, na década de 80. Participávamos de um encontro que não tratava apenas de reivindicações da categoria, mas de lutas políticas ligadas ao combate à ditadura militar e pelo restabelecimento da democracia. Chamava a nossa atenção a combatividade de Audálio Dantas, mesclada pelo equilíbrio que esse alagoano nunca perdeu. Em 2013, Audálio veio a João Pessoa lançar e divulgar seu livro As duas guerras de Vlado Herzog Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil. O mano Lenilson Guedes, então atuando no Sistema Paraíba de Comunicação, avisou-me que Audálio estava nas dependências da TV Cabo Branco para uma entrevista. Abalei-me até o prédio em busca da aquisição de um exemplar do livro de Audálio e respectivo autógrafo. Era um reencontro, estávamos francamente emocionados. Havíamos sido colegas do jornal O Estado de S. Paulo, ele atuando na sede, na major Quedinho, em São Paulo, este escriba no papel de correspondente por sete anos do jornal dos Mesquita na Paraíba. Havia muitas coincidências na nossa trajetória.
Teve este teor, com sua letra inconfundível, a dedicatória de Audálio Dantas a este escriba: Ao companheiro jornalista Nonato Guedes, participante das lutas da categoria e das lutas gerais pela democracia, com minhas saudações. Viva!. A data: 03 de maio de 2013. Grande Audálio Dantas! Que a terra lhe seja leve e que suas lutas continuem a ressoar como exemplos de combatividade e honradez.
Nonato Guedes