A cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal, tornou-se imperiosa diante do explícito mau comportamento que ele teve no exercício do múnus legislativo e na direção do importante colegiado. Foi, por assim dizer, uma medida profilática. A sociedade ficou aliviada, de certa forma, porque sempre listou Cunha como um dos políticos mais odiados da atual safra. Especialista em manobras regimentais, no uso de “chicanas” jurídicas para protelar ou embargar o que não lhe interessa, Eduardo Cunha tornou-se um poderoso perigoso. Ele já não se fizera mais detentor de um currículo, mas dono de um “prontuário”. E pensar que, por um triz, esse cidadão não foi alçado à presidência da República com o impeachment de Dilma Rousseff.
Como presidente da Câmara, Cunha estava na linha constitucional de sucessão da presidência da República, depois da figura do vice-presidente da República. Há quem tenha incensado Cunha por ter articulado, nos bastidores da Câmara, o rito que culminou no impeachment de Dilma Rousseff. Seu desgaste era tão grande que nem isto o redimiu perante a opinião pública. No episódio do impeachment, Cunha não fez mais do que cumprir com o seu dever, perante os holofotes de toda a nação. Se ele chegou a imaginar que a atuação na condução do impeachment poderia ser usada como moeda de troca para favorecer a si próprio, ou para salvar sua pele, cometeu grave equívoco, erro palmar de avaliação.
Não gosto de estar mencionando assertivas que porventura tenha feito e que acabaram se materializando. Tenha consciência das minhas limitações. Sou jornalista, não pitonisa, nem tenho bola de cristal. Mas engrossei o time dos analistas que arriscaram o palpite de que depois de Dilma, Cunha passaria a ser a bola da vez. A mim, parecia óbvio demais esse cenário. Outros achavam que não, e o próprio Cunha teve um fio de esperança de que iria se safar de punição. O argumento que utilizei, neste espaço, foi simples: quem pode o mais, pode o menos. Se o Congresso logrou afastar a presidente da República, que dificuldade teria para cassar o mandato de um deputado? Na sessão de ontem, Cunha era apenas isso – um deputado. Perdera os poderes de presidente, destituído que fora por uma ação providencial do Supremo Tribunal Federal.
A Câmara estaria completamente desmoralizada se, porventura, concedesse indulto, ou anistia, a Eduardo Cunha, mantendo, pelo menos, o mandato de deputado. Alega-se, em Brasília, que a derrota acachapante de Cunha, ontem, teve a ver com as eleições municipais em que está envolvida a maioria dos congressistas com expediente em Brasília. É possível que subsidiariamente a disputa eleitoral em curso tenha influenciado a atitude dos deputados no sentido de não optar pelo odioso corporativismo (odioso quando praticado em causas não-nobres). Sendo assim, o que aconteceu em BSB estava perfeitamente dentro da lógica. Houve, até, uma espécie de sincronia. Enquanto a Câmara se livrava da nefasta companhia de Eduardo Cunha, o Supremo Tribunal Federal empossava uma mulher de fibra, a ministra Cármen Lúcia Antunes da Rocha, na sua presidência, em substituição ao xaroposo Ricardo Lewandowski, que sempre jogou para si e para a platéia. A presidente do STF é de outra extração. E talvez isto tenha estimulado o cantor e compositor Caetano Veloso, espécie de profeta da MPB, a cantar o Hino Nacional na posse de Cármen Lúcia. Há momentos em que o cântico do Hino Nacional nos comove profundamente, como a exalar orgulho e injetar doses de patriotismo. A investidura da ministra mineira no posto supremo constituiu um desses momentos, em contraste com a definitiva punição aplicada a Eduardo Cunha.
Numa matéria que “Caros Amigos” publicou em setembro do ano passado, informa-se em detalhes como Eduardo Cunha conseguiu se firmar na condição de principal fiador do setor empresarial nos corredores do poder para, depois, agonizar sobre suas próprias ambições políticas. Dê-se ao outrora poderoso presidente da Câmara o direito ao “jus esperneandi”, a faculdade de interpretar, no desabafo que fez ontem, ter sido “justiçado” por causa da sua atuação no impeachment de Dilma Rousseff. Esta não é apenas uma exegese de Eduardo Cunha. É o álibi de que ele precisa para dizer à mulher, à filha e à sua própria consciência, que ele foi vítima de um processo que não distinguiu ninguém entre gregos e troianos. Mas o álibi ou o argumento de Cunha não elide a verdade que sempe vem à tona e de forma cristalina: sua cabeça estava a prêmio há muito tempo, e não necessariamente por causa da sua atuação no impeachment de Dilma.
Como dizem nas redes sociais, ‘chupa essa, Cunha!’.
A opinião pública pode ser implacável – e geralmente o é, valendo-se de variadas formas de manifestação, a mais pungente delas a vaia ou o apupo, que mirou, por exemplo, o presidente Michel Temer na abertura dos Jogos Paralímpicos no Rio. Mas, burra, isso a opinião pública não é.
Por NONATO GUEDES