Forçoso é reconhecer, mas a verdade é que a campanha para prefeito de João Pessoa não empolgou parcela expressiva do eleitorado. Em parte, pode ser que o cidadão comum esteja desencantado e desmotivado com a política, diante de tantos escândalos que estão vindo à tona e que não poupam agremiações nem líderes outrora incensados. Uma outra constatação é a de que a presente campanha não apresenta fatos novos passíveis de influenciar o sujeito que no dia três de outubro vai sair de casa em busca de uma seção eleitoral para depositar o voto. Todo o corolário converge para a postura de não-engajamento.
Os saudosistas das campanhas de antigamente certamente estarão entediados com o que os olhos presenciam hoje. Não há charangas nas ruas nem existem mais comícios em que oradores brilhantes tinham o condão de paralisar multidões com o verbo que destilavam. Quem não apreciava um José Américo de Almeida, um João Agripino, um Pedro Gondim a entoar palavras solfejadas no calor da emoção humana, misturadas a diatribes despejadas em adversários – tudo isto com nível? Sim, era possível manter o nível no próprio ataque verbal, como ainda hoje o é, se tivéssemos em abundância figuras vocacionadas para hipnotizar plateias com a força da palavra. É evidente que os tempos mudam, as restrições vão se aperfeiçoando, os instrumentos de comunicação são outros, mais rápidos, inseridos nessa tal modernidade. Uma modernidade que dispensa, por ocioso, o fervor cívico a apinhar as ruas.
De minha parte, quedo-me sob protestos a essa ausência de inteligência e de emoção. A essa falta de um Marcondes Gadelha a reclamar em palanque a distância entre “a espera e a esperança’. Ou um Ronaldo Cunha Lima expressando que não buscava culpados da destruição que choramos, mas, sim, parceiros para a reconstrução que queremos, emendando no arremate: “A Paraíba reviverá!”. E o que dizer de Antônio Mariz vergastando contra a falta de ética, o desrespeito à Cidadania por parte de governos sem compromisso, mas de costas para o povo? Quem não se embeveceu com definições implacáveis como esta de Ulysses Guimarães sobre o governo militar: “Governo xique-xique este que aí está. Não dá sombra nem encosto. Para a Nação não dá. Para os amigos, parentes e protegidos, presenteia com governadorias, senatorias biônicas, embaixadas, empréstimos e negócios. Passa a ser, então, o governo sombra e água fresca’ (?).
A modernidade não anula a emoção, o passionalismo saudável, muitas vezes ombreado com gestos de indignação, que é o mais veemente dos protestos da opinião pública. Havia, nas campanhas de antanho, uma atmosfera contagiosa, do ponto de vista de contaminar os homens públicos com a ira santa popular de que falou Milton Nascimento na canção-homenagem a Teotônio Vilela, na belíssima campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita, que veio mitigada, esconjurada na falta de grandeza de governantes de plantão. Os auditórios recrutados tomavam porres cívicos, embriagavam-se literalmente com o jorrar das palavras, beijavam os lábios já umedecidos pela dádiva da bela oratória. Nas ruas, nas casas, nas rodas, em dias seguintes ou por semanas a fio, era no que se falava – no que José Américo disse na Lagoa, no que Ruy Carneiro rebateu em Tambaú. E o que dizer dos exércitos de cabos eleitorais, sempre prontos, nunca dispersos – hoje reduzidos a mamulengos remunerados que por uma questão de sobrevivência estendem bandeiras em sinais de trãnsito e cruzamentos de ruas para propagar nomes de candidatos e candidatas?
Debruçado há muitos anos sobre o fascinante problema do poder, o doutor Ulysses Guimarães chegou a se perguntar se o brasileiro não era vocacionado para a política. E indagava: “Por que não temos filósofos e estadistas na proporção de escritores, poetas, pintores, músicos, futebolistas?’. Ulysses interpretava a inapetência política nacional como um mal da era republicana. No seu modo de ver, a República, em regra, passara a ser elitista, vestindo politicamente o domínio da oligarquia e das classes privilegiadas. O povo, a massa disforme, ficou mantido à margem, providencialmente distante dos homens que decidem e das decisões que são tomadas. Impossível não fazer uma analogia com o dizer de Aristides Lobo de que o povo, bestificado, assistiu à Proclamação da Repúlica. O que nos constrange é que avançamos tanto, em tantas batalhas políticas, que não temos direito de regredir ou estacionar. Que efeito levaram os comícios pelas diretas-já, pela anistia, pela Constituimte, que arrastaram multidões em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em João Pessoa?
Lamento, mas não consigo enxergar eleição propriamente dita no contexto conjuntural que atravessamos no Brasil destes tempos. Não há eleição sem povo, conduzida por agentes e supostos intermediários da vontade legítima que não se expressa. O que temos é contrafação de eleições democráticas. Além de profundos retrocessos no horizonte político-institucional brasileiro. Só não percebemos ainda porque estamos anestesiados por tantas informações que nos são disponibilizadas, escoadas por distintos agrupamentos formadores de opinião. Mas, se formos nos debruçar a vagar, em cima da realidade, terá que ser cravado o inevitável diagnóstico de que vivemos uma democracia de fachada. E sem povo.
Por NONATO GUEDES