A rigor não houve muita surpresa com a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um punhado de irregularidades e de atitudes que resultaram em prejuízos para o erário público. O procurador Delton Dallagnol, a quem coube expor minuciosamente o fluxograma do que ele chamou de propinocracia, foi muito seguro na explanação feita, o que é explicável: há uma nova geração que se destaca no MP por ser formada por quadros especializados, profissionais e de competência inquestionável. Não há açodamento no trabalho desses profissionais, muito menos a busca sôfrega por holofotes, como chegou a ser insinuado em algumas áreas nas últimas horas. Tanto assim que levou um tempo para chegar “em Lula”. Mas, convenhamos: alguém supunha que não chegasse em Lula?
Há um certo cuidado quando se trata de falar em Lula porque ele é um emblema nacional, uma espécie de símbolo, a quem se atribui ainda hoje feitos de heroísmo, o maior deles o de receber o diploma de presidente da República por duas vezes sem ser formado em universidades nem pertencer a elites intelectuais ou acadêmicas que rondam o poder. Abstraindo essas apreciações, digamos, subjetivas, paira a evidência de que ninguém, nenhuma pessoa, está acima da Lei. O ex-presidente Lula, desde que foi relacionado no episódio do mensalão, valeu-se da negativa sistemática e irritante. Nunca soube de nada, não participou de nada, era um santo apunhalado por traidores dentro do próprio PT. Enquanto estimulava essa deificaçao, Lula escafedia-se da denunciação e, por via de consequência, da hipótese de prisão, que não está descartada.
Cabeças de companheiros dele rolaram, antigos notáveis da República petista foram parar atrás das grades, como presidentes do partido, tesoureiros, ex-ministros de governos petistas, deputados, senadores, empreiteiros, lobistas e empresários que eram incensados pelo poderio econômico que ostentavam ou pela riqueza que possuíam, distribuída nos jatinhos a percorrer os céus do Brasil levando malas de dinheiro que eram surrupiadas do cofres públicos, de empresas-patrimônios do país como a Petrobras. Lula, enquanto isso, cortejava certificados de “doutor honoris causa” no Brasil e no exterior, ministrava palestras em que repetia o culto à própria personalidade e jactava-se de que um operário chegara à presidência da República. Esse deslumbramento tem custado caro a Lula.
Toda a obra que ele edificou pacientemente foi sendo desmoronada, como se o ex-presidente fosse um iconoclasta, um niilista, afeito à quebra de tótens e tabus. Já no cartapácio do julgamento do mensalão, ministros do Supremo Tribunal Federal identificaram os tentáculos que originaram a montagem de um esquema criminoso, de saque ao erário, de assalto aos cofres públicos. No dizer do ministro Carlos Ayres de Britto, o mensalãoi foi um ponto fora da curva. Mas os petistas, sequiosos por ambição, avançaram pela máquina do governo, mais precisamente pela Petrobras, uma espécie de mina de ouro, símbolo de memoráveis campanhas nacionalistas como a do “petróleo é nosso”, que engajaram comunistas ao lado de ditadores como Getúlio Vargas.
Lula foi o responsável pela criação de um partido que atraiu simpatias em círculos internacionais e que poderia ser modelo para outras Nações. Mas também foi o responsável pela destruição desse legado, por deslumbramento com o poder efêmero, por arrogância e por incapacidade de conviver com críticas, sem falar na sua conversão a atos antiéticos que o PT vergastava como bandeiras de luta, a exemplo do caixa dois, das doações graciosas e de outros instrumentos de suborno incorporados à cultura política carcomida do Brasil. Não, Lula não está acima da Lei.
Ninguém está acima da Lei. Essa é a lição que os expeditos procuradores de Curitiba transmitiram ao resto da população brasileira.
Por NONATO GUEDES