As duas primeiras vezes em que Cássio Cunha Lima disputou o governo da Paraíba e foi vitorioso, pelo PSDB, coincidiram com as duas eleições de Luiz Inácio Lula da Silva a presidente da República pelo PT, em 2002 e 2006. Embora oriundos de legendas diferentes, Cássio e Lula criaram uma relação de empatia. Houve uma ocasião em que o filho de Ronaldo e atual senador foi recebido por Lula-presidente em Palácio, em Brasília e tiveram um final de tarde-começo de noite pontilhado por conversas descontraídas, testemunhadas, entre outros, pelo ex-superintendente do Sebrae na Paraíba, Júlio Rafael, um dos expoentes do PT paraibano e que tinha linha direta com Lula. Aliás, foi Júlio Rafael que intermediou o encontro Lula-Cássio, como relatou na época, em primeira mão, em sua coluna, no jornal O Norte, o competente e bem-informado jornalista Agnaldo Almeida. Júlio faleceu precocemente mas deixou a herança de uma visão crítica e avançada sobre conjunturas políticas. Ele estava anos-luz de outras figuras com mentes enviesadas no cenário brasileiro-paraibano.
Cássio foi quem promoveu, na Paraíba e, talvez no Nordeste, a primeira aliança entre tucanos e petistas para a disputa da prefeitura de uma cidade importante. Numa das vezes em que concorreu a prefeito de Campina Grande e ganhou, ele teve como companheira de chapa Cozete Barbosa, que era militante do PT na Rainha da Borborema. Posteriormente, a relação se deteriorou por fatores locais, mas Cássio sempre teve canais no PT nacional, embora nunca cogitasse ingressar na legenda. Antes disso, nos primórdios de sua iniciação política, como deputado federal constituinte, em 88, ele conquistou o apreço e a admiração do doutor Ulysses Guimarães e de Mário Covas. Estudante de Direito, aos 23 anos, cabelos lisos e pretos, ele estreou na Câmara como o mais jovem constituinte do país. Foi ouvido atentamente quando disse que a sua geração não podia falhar sob pena de ser condenada pela história. Falou da preocupação de um jovem que, às vésperas do século XX, vê seu país discutindo a ordem jurídica, enquanto os demais países estavam na era da cibernética, da guerra nas estrelas. Cássio usou o tempo máximo de quatro minutos. Já tinha interlocutores como Fernando Henrique Cardoso e João Hermann. E o doutor Ulysses, ao entrar no plenário, em certa ocasião, deixou de lado seu séquito de admiradores para cumprimentá-lo:
– Olá, Cássio, como vai?
Cássio, na época, era filiado ao PMDB, do qual migrou em virtude de divergências políticas entre o clã liderado pelo seu pai, Ronaldo Cunha Lima, e o esquema liderado pelo então governador José Maranhão, que assumira com a morte de Antônio Mariz, do qual fora vice. O benjamin constituinte da Paraíba chegou ao Congresso cheio de perguntas. Indagava, por exemplo, a razão de interrupção dos ciclos democráticos no país. “Aqui, as rupturas sociais são seguidas, os vagos históricos são permanentes, não temos justiça social”, desabafou ele, calando fundo no plenário. E foi adiante: “O país não tem justiça social e coleciona altas taxas de desemprego e de mortalidade infantil, a mulher não tem direitos garantidos, a disparidade de raças é gigantesca e as distorções sociais são alarmantes”, diagnosticava o parlamentar, reproduzindo a plenos pulmões as suas aflições e desalentos com a própria capacidade da classe política de mudar panoramas tão adversos, tão desumanos.
Reverberando esses momentos históricos da trajetória de Cássio, é de se dizer que ele “chegou abafando”, ressalvada a idade que ostentava e sua colocação diante de grave momento histórico que simbolizava mais um dos inúmeros períodos de transição democrática num país que está sempre recomeçando. Pelo menos foi a sensação que transmitiu ao jovem Cássio e ainda hoje está impregnada nos que chegam a Brasília como detentores de mandatos, carregados de esperanças e de ilusões de que possam interferir concretamente para mudanças estruturais que a sociedade exige porque as demandas se repetem e as soluções ficam apenas na decantada “vontade política”. A habilidade de Cássio, a despeito da idade, fê-lo abrir outras pontes, como se deu com Itamar Franco, que assumiu com o impeachment de Fernando Collor de Melo em 92 e concluiu o mandato para o qual a chapa tinha sido eleita. Itamar convidou Cássio para a superintendência da Sudene, uma experiência de muita responsabilidade – e nem aí o hoje senador escapou de patrulhamento do PT, sustentado, à época, por Avenzoar Arruda, deputado federal, que pôs em dúvida operações do Finor.
O que ressalta da trajetória de Cássio – atualmente licenciado do Senado – é que, bem encaminhado políticamente pelo pai Ronaldo, ele soube abrir portas e fazer contatos valiosos, além de amizades prodigiosas. Se antes encantava Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso no PSDB, hoje tem a admiração do sennador e ex-presidenciável Aécio Neves, neto do ex-presidente Tancredo Neves e líder do PSDB no Congresso. As amizades que solidificou não impediram Cássio de seguir coerente com suas convicções. Foi assim que ele votou decididamente pelo impeachment da presidente petista Dilma Rousseff, não obstante o empenho do ex-presidente Lula para que sua pupila fosse poupada do constrangimento. A verdade é que Cássio aprendeu muio cedo a dura realidade da política, que muitas vezes transforma aliados em adversários. Ele foi parceiro, por exemplo, de Ricardo Coutinho. Enfrentaram-se nas urnas em 2014 e permanecem em posição de confronto, aguardando desfechos de embates que passam pelas eleições municipais e vão desaguar inevitavelmente na conjuntura estadual.
Assim é a vida. Que segue em frente, forem quais forem os desígnios, seja qual for o desideratum político.
Por NONATO GUEDES