Pesquisas reiteram o que se suspeitava: que o governo do presidente Michel Temer padece de uma rejeição inata e aparentemente incurável. Ele foi rejeitado na origem porque investido em situação emergencial que dividiu o país ao meio – o processo de impeachment da presidente reeleita Dilma Rousseff. Ainda assim, teria tempo para dissolver desconfianças e gerar apostas favoráveis que fizessem a administração deslanchar e o presidente sonhar, inclusive, com a conquista de um novo mandato, agora de forma direta, no contato a céu aberto com o eleitor. O fato de Temer repetir com frequência que não é candidato à reeleição sinaliza insegurança de sua parte quanto a um provável resultado favorável ou promissor.
Dois problemas correlatos conspiram para que Temer não galvanize a simpatia popular: o governo não tem cara e o presidente não tem carisma. No primeiro caso, explica-se: as propostas apresentadas por Temer não foram suficientemente entendidas ou assimiladas pela opinião pública. Pelo contrário, geraram em certos segmentos a impressão de retrocesso em conquistas essenciais para o cidadão comum. Ninguém, de sã consciência, gosta de abrir mão do que conquistou ou do que lhe foi assegurado. Isto é uma espécie de cláusula pétrea, intocável, no imaginário ou no inconsciente coletivo. Desse ponto de vista, ao acenar com reformas sem explicitá-las de forma mais nítida, Temer passa a constituir-se em ameaça, em bicho-papão, em demolidor – vá lá que seja, como querem petistas – de privilégios, que na verdade não o são, pois significam reposição de perdas e, portanto, conquistas obtidas a duras penas.
O Estado, no Brasil, sempre foi perdulário numa ponta – e extremamente avaro em outra ponta. Na primeira situação, tivemos governos que gastaram rios de dinheiro para a edificação de obras faraônicas transformadas em elefantes brancos. Isto aconteceu em pleno regime militar que se jactava do culto à austeridade. Foi na ditadura que prosperaram a Rio-Niterói, a Transamazônica e outros investimentos que não trouxeram benefícios para a população e, pior ainda, geraram propinas para empreiteiras e funcionários de altos escalões dos governos. Um ministro que ficou conhecido pela prodigalidade nos gastos foi Mário Andreazza. Ele tinha a ilusão de vir a ser presidente da República, mas não fazia parte dos “coroados” do clube de militares agregados no rodízio do poder desde que foi dado o golpe que chutou da cadeira o presidente João Goulart. Mas não só no regime militar proliferaram as tais obras mirabolantes ou faraônicas. Em governos civis, também, como nos de Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Temer é herdeiro de toda essa farra com o dinheiro público, agravada pelos escândalos cometidos à larga nas gestões petistas que acabaram por esvaziar cofres públicos e até mesmo enfraquecer instituições tidas como patrimônios sagrados do povo brasileiro, a exemplo da Petrobras. A rapinagem que foi executada na Era petista foi a pá de cal nas esperanças de um Brasil melhor, de um País para Todos, como chegou a ser apregoado em mídia institucional destinada a vender a ideia de que esta Nação tinha alcançado patamares extraordinários de desenvolvimento e de evolução de indicadores sociais. O fato de ser herdeiro não dá a Temer nenhuma credencial para não fazer nada, ou, pelo menos, para não fazer deslancharem os grandes programas e projetos de que o País carece. A cada dia, o presidente que assumiu com o impeachment de Dilma precisa matar um leão ou até mesmo vários leões, a fim de que seja retomado o processo de crescimento abruptamente interrompido pelo desvio de prioridades.
O outro problema de Temer reside na falta de carisma. Ele não logrou estabelecer uma relação de empatia com numeroso contingente da população brasileira que acordou, certo dia, com outro ocupante na cadeira do Palácio do Planalto. As manifestações de vaias a Temer não se originam exclusivamente de agrupamentos petistas descontentes com o freio de arrumação na rapinagem dos governos de Lula e de Dilma. Já se espraiam por segmentos da sociedade que não compactuaram com a roubalheira e que aceitaram a solução do vice como legítima e constitucional em face das circunstâncias. São esses núcleos que mais esperam da parte de Temer e sua equipe e não encontraram, ainda, motivos de sobra para hipotecar-lhe crédito de confiança.
A questão não está no marketing, está nos resultados que não aparecem. Sabemos que a Era petista legou 12 milhões de desempregados. Michel Temer tem repetido à exaustão que não foi o responsável por essse número. É redundância ficar insistindo nisso. O que a sociedade aguarda com urgência é que ele ofereça alternativas, que demonstre que é uma solução melhor nas atuais circunstâncias do que os governos petistas que se sucederam e foram enredados pela corrupção desenfreada. Temer não pode exaurir impunemente o capital de confiança que recebeu para colocar a casa em ordem e ajudar a rearrumar o Brasil. No governo Collor, por ocasião do impeachment do presidente em 92, ascendeu à titularidade um vice que até então era obscuro – Itamar Franco, sobre o qual não pesava, porém, nenhuma mácula. Pois Itamar fez melhor: deu ao Brasil o Plano Real, concebido junto com Fernando Henrique Cardoso, para assegurar a estabilidade econômica. No governo Itamar a estabilidade foi assegurada, sim. E terminado o mandato ele não mais buscou holofotes políticos. Temer parece mais afogueado em ter os holofotes do que em provar que sabe administrar. Ninguém atravessa o Rubicão sem molhar os pés – este é que é o problema.
Nonato Guedes