O governador Ricardo Coutinho (PSB) tenta fazer crer que mantém uma relação institucional ou republicana com prefeitos filiados a outras legendas e outras correntes políticas, não necessariamente vinculados à sua orientação ou inscritos no arraial socialista. Na verdade, as coisas não têm transcorrido bem assim e há pelo menos dois casos emblemáticos que podem ser mencionados a título de exemplo contrário: os do prefeito de Santa Luzia, Ademir Morais (PSDB), que está encerrando sua passagem pela municipalidade no Sabugy, e do ex-prefeito de Campina Grande, Veneziano Vital do Rêgo, quando esteve afastado politicamente de Ricardo. Sobre Veneziano, há o episódio de uma audiência marcada para o Palácio da Redenção à noite, num dia em que a Capital atraía atenção por causa de outros eventos. Esvaziou-se a audiência e mais ainda a pauta de reivindicações, que sequer foi levada na consideração devida. O humor de RC é que pautava tais relações.
Até certo ponto era compreensível essa postura de Ricardo, ainda que inaceitável, diante do fogo cruzado que ele sofria. Em relação ao prefeito de Santa Luzia, não há registro de postura mais beligerante em relação a Ricardo. Ademir elevou o tom quando sentiu o peso da discriminação no tocante a recursos que por lei deviam ser repassados aos cofres públicos. Veneziano queixou-se ostensivamente de segregação, estranhando que isto fosse feito apesar da importância estratégica de Campina Grande na região Nordeste. A cidade, aliás, festeja hoje 152 anos de fundação. E como Veneziano havia se reaproximado de Ricardo, o adversário em Campina passou a ser Romero Rodrigues, ligado ao senador Cássio Cunha Lima. É Romero quem vocaliza, atualmente, uma ou outra insatisfação com demandas não atendidas, ou claramente reprimidas – ou sufocadas pela administração estadual.
Pela convivência municipalista que tem tido, a partir do exercício da prefeitura de João Pessoa, para a qual foi eleito duas vezes, o governador Ricardo Coutinho sabe muito bem que não há pacto federativo verdadeiro e que a relação ainda é de profunda dependência de Estados em relação à União e municípios em relação ao Estado. Foi para contornar esse ciclo vicioso que gestores de pequenas e médias localidades encararam com bons olhos o surgimento da celebração das chamadas parcerias públicas-privadas, que oportunizam a injeção de recursos empresariais em programas de alcance social que as prefeituras não levam adiante por absoluta incapacidade financeira de custear tais empreendimentos.
Vivemos num país em que a unidade territorial é fundamental para que haja um crescimento menos desigual. Não são poucos os expositores, quer da política, quer da academia, que insistem na denúncia de gritantes disparidades interregionais. Soluções ou alternativas existem aos montes. O que não há, mesmo, como costumava dizer o governador Tarcísio Burity, é vontade política para equacionar ou dar provimento a tais demandas. A fixação de um pacto nacional envolve concessões. Mas estas são difíceis de se obter num país onde a guerra fiscal é acentuada e a partilha dos royalties do petróleo extraídos da camada do pré-sal gerou uma briga entre Estados produtores e não produtores, com o sacrifício de repasse de divisas paa os menos aquinhoados.
O ex-governador Tarcísio Burity tinha um argumento na ponta da língua para respaldar a sua tese insistente de que não se pode tratar de forma igualitária o que é, por natureza, desigual. Lançava mão desse argumento para preconizar o tratamento diferenciado que deveria ser dado pelo governo federal a Estados do Nordeste. No entendimento de Burity, tratava-se, inclusive, de uma estratégia compensatória para os Estados já tão sacrificados com a escassez de recursos e com a ausência de projetos estruturantes que impulsionassem sua economia ao longo dos anos. Burity morreu mas suas ideias estão cada vez mais atualíssimas, o que leva a uma outra constatação: o país é que não mudou substancialmente. Alvíssaras que o governador Ricardo Coutinho reabra o diálogo institucional com os municípios. É sua obrigação, claro, mas é um aceno a ser saudado pelo caráter simbólico de inovação, afinal, prestes a se concretizar, depois de tanto rame-rame gasto a respeito.
Por Nonato Guedes