Muitos se perguntam que poder é esse que tem Renan Calheiros, presidente do Senado, citado por acusações de envolvimento em irregularidades e que se acha no direito de “peitar” a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, que saiu em defesa de um juiz que autorizou operação policial na casa de Calheiros em Brasília. A ministra, que já havia demonstrado não ter papas na língua nem se intimidar com arreganhos de quem quer que seja, deu um “puxão de orelhas” no presidente do Senado ao hipotecar solidariedade ao juiz chamado de “juizeco” por Renan. “Todas as vezes em que um juiz é agredido, eu e cada um de nós, juízes, é agredido”, pontuou Cármen Lúcia, com firmeza.
Renan é um sobrevivente político na selva chamada Brasília e impressiona que tenha sobrevivido sem ser molestado mais diretamente ao longo da sua trajetória. É verdade que em outra oportunidade, quando ascendeu ao comando do Senado, enfrentou adversidades que o apearam do posto. Curioso é que tenha feito o caminho de volta quando muitos, destronados ou apeados do poder, jamais tiveram essa segunda chance. O ex-presidente Fernando Collor, por exemplo, vítima de impeachment em 92 quando exercia a suprema magistratura da Nação, cumpriu pena de oito anos de perda de direitos políticos e, ao ensaiar o retorno, perdeu disputa ao governo de Alagoas, somente logrando reeleger-se ao Senado. Onde reconquistou o cargo onde “aprontara’.
Calheiros não é um político brilhante, mas é proativo e habilidoso. Foi fiador, quando não o mentor, de fórmulas salvacionistas para diferentes impasses do horizonte político brasileiro. Ainda agora, no impeachment de Dilma Rousseff, partiu dele a iniciativa de propor, numa sessão sob as vistas do presidente do Supremo Tribunal Federal, que fosse revogada a disposição sobre perda de direitos políticos contra Dilma, um privilégio que causou estranheza nos variados círculos. O entendimento que Renan apensou à proposta foi o de que Dilma já estava suficientemente punida com a cassação do seu mandato via impeachment, parecendo temerário que adviesse outra sanção como a inabilitação para concorrer a mandatos por quase uma década.
Generoso o presidente do Senado, Renan Calheiros? Como ele é uma máscara de cera, nunca se sabe em relação aos seus sentimentos verdadeiros, em relação ao que cogita, ao que pretende, ao formular determinadas sugestões. Talvez estivesse querendo criar uma espécie de precedente indireto que beneficiasse dirigentes de outros Poderes. Como o Senado, que ele preside com tanta familiaridade que parece ser uma extensão da sua casa. A ministra Cármen Lúcia agiu de forma estritamente corporativista ao defender um magistrado, categoria a que pertence – asseguram alguns interlocutores do jogo político. Se houve ou não laivo de corporativismo na sua atitude, isto é subjetivo. De concreto, o que houve foi a vocalização de um desabafo com ares de recado ao presidente do Senado da República no sentido de ser mais comedido em atos e palavras, freando os ímpetos de poder que normalmente acometem figuras que estão no posto dele.
Um tema recorrente no cenário político brasileiro é a discussão da chamada “judicialização” da atividade política, referência a ocasiões em que as instituições judiciárias vão além das suas atribuições e imiscuem-se da prerrogativa de também legislar. O que precisa ficar evidenciado diante dessas inflexões ou ilações é que o Judiciário somente intervém quando provocado ou quando existe um vácuo legal ou constitucional. Não exerce, portanto, uma intromissão indébita. Até na definição de regras para disputas eleitorais, que muitos qualificaram de casuísticas, o TSE agiu porque não havia definição capaz de nortear o comportamento dos representantes políticos e dos partidos a que são filiados. Rigorosamente, então, não houve interferência, não se materializou intromissão indébita ou indevida de um poder em relação a outro.
Instâncias judiciárias, normalmente, são ciosas do que arbitram, exatamente pelo interesse de não extrapolar o limite das atribuições que lhes são conferidas no bojo de dispositivos legais que viram cláusulas pétreas dentro da Constituição brasileira. Não vá o senador Renan Calheiros laborar no sentido de tentar promover uma crise artificial entre Poderes porque isto não é salutar para a democracia. Aliás, o que é salutar para a democracia é que o senador Renan Calheiros preste contas de acusações que lhe são imputadas. Ao não tocar nesse assunto, até para não emitir pré-julgamento, a ministra Cármen Lúcia demonstrou que é boazinha. Mas legalista!
Nonato Guedes