Se no PT ainda havia alguma dúvida sobre a “dêbàcle” do partido nas urnas, os resultados das eleições para prefeitos de capitais e cidades médias em segundo turno elidiram qualquer nesga de questionamento. O Partido dos Trabalhadores, construído por Luiz Inácio Lula da Silva a partir do ABC paulista, é, sim, o grande derrotado da temporada. Perdeu o protagonismo político, cedendo espaços para uma miríade de legendas num arco que vai do PSDB ao PSOL, este candidato declarado a ocupar o vácuo de poder e de representatividade que os petistas enfeixaram nos últimos anos, ou, mais precisamente, em uma década.
Querem emblemas da avassaladora ou acachapante derrota do PT no balanço das urnas este ano? Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff abstiveram-se de votar no segundo turno nos respectivos domicílios. Lula deu a desculpa que a idade já não o obriga mais a votar. Dilma ficou desmotivada. A verdade é outra – eles não queriam passar recibo da hecatombe que se apossou da agremiação. Lula, em especial, é o mais traumatizado com a ruína petista, pela sua condição de obreiro na fundação da sigla. Dilma chegou depois, ainda trazendo influência do brizolismo, que era seu objeto de adoração politicamente. Converteu-se ao lulismo, porque a verdade é que nunca desenvolveu empatia com o petismo.
Para os mais otimistas, a eleição foi municipal e levou em conta fatores das tricas paroquiais. Em certos municípios foi isso mesmo – as tricas e futricas locais tiveram peso determinante. Mas em outros houve um repúdio expresso ao PT. Basta lembrar o que ocorreu em São Paulo, ainda no primeiro turno. O prefeito petista Fernando Haddad foi derrotado vergonhosamente e duas ex-prefeitas que foram do PT mas hoje operam em outras siglas foram inapelavelmente derrotadas – Luiza Erundina, que por enquanto está abrigada no PSOL e Marta Suplicy, que passou a coabitar no PMDB, com quem não tem maiores afinidades. Ganhou João Doria, que formalmente é do PSDB, mas ele não venceu por ser tucano apenas, mas por ter uma griffe de sucesso garantido em camadas médias do eleitorado paulistano e dispor de plataforma que atraiu segmentos que eventualmente pudessem estar indefinidos no páreo.
São Paulo foi a Waterloo dos napoleônicos generais petistas. Foi lá que tudo começou, e o partido saiu arrebentado tanto na Capital, que é vitrine, como na região do ABC, palco das greves metalúrgicas conduzidas por Lula e que foram uma espécie de fermento na estruturação de uma organização partidária que sempre buscou algumas desvinculações, inclusive do poder pelo poder, e acabou se rendendo à compulsão doentia pelo poder, de modo que deu caráter de questão de honra às disputas recentes. No íntimo, Lula talvez tivesse a percepção de que o PT sairia mal das urnas. O que não imaginava era a proporção a que chegou o resultado estampado nos mapas eleitorais.
O que isto significa? Na prática, que o PT tem que se conformar com o resultado expresso pelas urnas e procurar se reinventar para tentar sobreviver nos futuros embates quando estarão em jogo novamente a presidência da República e mandatos parlamentares importantes no Congresso, além de governos estaduais. A reinvenção do PT não implica apenas na autocrítica sobre os erros cometidos, mas na correção desses erros e na formulação de novas propostas coerentes com a realidade sintonizada pelas urnas, por mais que os sinais emanados ainda sejam pouco elucidativos. Mas, decididamente, alguns pontos estão sacramentados na cabeça do eleitor. Por exemplo: ele mandou avisar que não aceita a roubalheira no poder. E, mais importante, mandou dizer que tanto põe como depõe. Ou seja, assimilou o espírito verdadeiramente democrático, que consiste exatamente nisso e que atende pelo nome de alternância, revezamento, seja lá o que for. Convém não desafiar a ira do senhor dos votos – o eleitor!
Por Nonato Guedes