O governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), entrou no índex do Palácio do Planalto na gestão do presidente Michel Temer porque adotou um postura belicosa, não institucional, contra o governo que está aí. Aliás, o gestor socialista labora em contradição latente quando pleiteia uma audiência ao presidente da República e, em paralelo, acusa o presidente de exercer um mandato ilegítimo. Tudo bem que os problemas da população paraibana estão infinitamente acima de divergências políticas e que o correto, do ponto de vista republicano, para usar um jargão que entrou na moda para ficar, seria o titular do Planalto demonstrar grandeza e receber o governante. Mas é preciso lembrar que nos últimos dias o governador boicotou ostensivamente a visita do ministro das Cidades, Bruno Araújo. Dava a impressão de que o contato com um ministro de Temer seria contagioso para a sua imagem de franco-atirador que ele agora está liberado para exercitar em larga escala.
O xis do problema está aí. Ricardo, que tem um feeling político extraordinário, reconhecido até pelos mais experimentados adversários da política paraibana, intentou, já há algum tempo, estratégia para despontar na mídia nacional como um contestador do governo que Temer empalma. Ele busca suprir a orfandade que lhe provocou a morte de Eduardo Campos, ex-presidenciável e ex-governador de Pernambuco, com quem tinha afinidades e em quem apostou fichas na corrida presidencial. Com o desaparecimento de Eduardo, Coutinho deu voltas em círculo, no plano nacional e no plano estadual, para atrair forças políticas mais apetecíveis ao seu projeto individualista de poder. Rompeu os laços com Cássio Cunha Lima, compôs-se em 2014 com Luciano Cartaxo e depois lançou candidata contra ele em 2016, cortejou o PMDB e o senador José Maranhão e acabou se voltando para o próprio umbigo. Ou seja, passou a apostar no PSB, cuidando de fortalecer a legenda e promovendo filiações à custa de baixas em partidos como o PMDB. Foi nesse contexto que ele fisgou Gervásio Maia para o agrupamento socialista, preparando-o como alternativa para a sucessão governamental em 2018.
Sinceridade? Desde que postulou a audiência com o presidente Michel Temer, o governador da Paraíba tinha consciência de que ela não resultaria no atendimento das suas demandas ou no equacionamento do contencioso que ele levasse à apreciação do mandatário. Ainda assim, ou justamente por isso, seria uma oportunidade para Ricardo brilhar na mídia nacional no papel de franco-atirador, pois é certo que sairia atirando do Planalto se a resposta de Temer fosse a de que alguns pleitos são inviáveis e que outros seriam enviados a ministérios para a competente avaliação. Esse ritual, nem de longe, empolgaria o gestor paraibano, conhecido por rompantes que exprimem uma visão autêntica das coisas, ainda que enviesada ou equivocada.
Ricardo pode ser criticado por “ene” aspectos que não chegam propriamente a emoldurar o seu retrato como governante ou agente político, mas não se lhe deve atribuir desinteligência, para não dizer burrice. Esse estigma não “cola” no governador, que tem um faro apurado para tentar reverter situações a seu favor ou tirar proveito, de algum modo, de situações absolutamente ou irreversivelmente desfavoráveis. É preciso lembrar aos menos informados que Coutinho fez um estágio completo na vida pública paraibana, convivendo com personagens de extração variada. Conhece na ponta da língua os perfis de Cássio Cunha Lima, de José Maranhão, de Luciano Cartaxo, de Rômulo Gouveia e de outras figuras de expressão na Câmara e no Senado. Isto significa que ele tem a sua média ponderada de defeitos e virtudes dos políticos com quem conviveu. E o conhecimento dos homens lhe dá uma vantagem, um poder adicional para manobras de manipulação de fatos políticos. Ricardo já foi elogiado por Ronaldo Cunha Lima como uma “revelação”, com o adendo de que era um político que poderia ir longe.
Em política, líderes costumam ser vítimas da autossuficiência ou da própria arrogância, derivada de certezas que passam a cultivar como dogmas ou mantras infalíveis. É uma categoria que não trabalha com dúvidas nem absorve facilmente o contraditório, pois municia-se de argumentos, falaciosos ou não, para dominar, de forma hegemônica, as controvérsias. Ricardo Coutinho é treinado nessa escola. Costuma tentar transformar em vitórias as derrotas que enfrentou. Despreza a aritmética exata para fazer valer sua própria aritmética, decorrente dos seus desejos. E, de forma teatral, empresta um ar de seriedade a esses ensaios mambembes, de tal sorte que desmonta adversários num piscar de olhos. Claro, é rápido no raciocínio, o que, em política, é um achado. Este é, sem tirar nem pôr, o perfil verdadeiro de Ricardo – e é com essas ferramentas que ele opera. Se os adversários continuarem subestimando seu poder de fogo mesmo na adversidade, podem pagar caro. Ah, falta dizer algo mais: o potencial de Ricardo é pessoal e intransferível. Se é que me faço entender… Como Ricardo é dialético, convém analisá-lo, muitas vezes, sob outras óticas. Recorrendo, por exemplo, à exegese, termo que era o predileto de Tarcísio Burity, um homem culto e com ramificações seminarísticas!
Por NONATO GUEDES