O Congresso Nacional criou coragem e decidiu encarar pontos da reforma política que vinham sendo cozinhados em banho-Maria a pretexto da falta de consenso entre os parlamentares, pela natureza polêmica de que se revestem. Um desses pontos diz respeito à quantidade exagerada de partidos políticos, o equivalente a uma inflação de siglas, que formam mais um sopa de letrinhas do que um acampamento de ideias ou de propostas. O que dizer, por exemplo, do Partido da Mulher Brasileira, que na sua maioria é composto de homens? E que fim levou o PEN, o Partido Ecológico Nacional, cujos expoentes jamais encamparam propostas consistentes associadas ao meio ambiente?
Na verdade, a miríade de partidos que passou a grassar no contexto político brasileiro deveu-se à incapacidade dos próprios políticos em responder a desafios que em outros países foram equacionados com boa vontade e discernimento. No Brasil, ainda é hábito citar-se como exemplos de partidos a UDN e o PSD, gerados no ventre da redemocratização de 1945 e que polarizaram a cena, ajudados por partidos satélites como PTB, PL, PSB. Bem ou mal, UDN e PSD expressaram correntes ideológicas assentadas no interior da própria sociedade – ou seja, refletiram interesses das classes conservadoras e das classes liberais. Se não chegaram a se constituir propriamente em partidos ideológicos, pelo menos se aproximaram da linha de chegada desse parâmetro, que é o que deve nortear, em tese, a fundação de um agrupamento com ideias similares.
Rompida essa tradição maniqueísta, no bojo de colapsos democráticos, que desaguaram em 1964 na longa noite das trevas, possibilitando o rodízio de generais no poder por cerca de duas décadas, deu-se o estouro da boiada na reabertura política, forjada como prolongamento da Nova República que teve em Tancredo Neves um dos seus artífices maiores. A pulverização de siglas foi enorme e, como era esperado, gerou anomalias institucionais, a exemplo do surgimento das chamadas legendas de aluguel, formadas e registradas exclusivamente para serem instrumentos de barganha e de tráfico de dinheiro. As anomalias ampliaram-se com a quase legalização do chamado caixa dois – um método clandestino de juntar dinheiro de origem duvidosa.
Isto ficou escancarado no episódio do mensalão, inventado por cérebros do Partido dos Trabalhadores e descrito por Delúbio Soares, um nada ingênuo tesoureiro do partido de Lula como processo de captação de recursos não contabilizados – equivale dizer, não declarados oficialmente à Justiça Eleitoral ou ao Fisco. Surpreende que, ainda agora, com tantos crimes cometidos contra a legislação política, eleitoral e financeira, o PT ainda não tenha tido o registro cassado. Mantém-se aí, na impunidade, tentando voltar a exercer o papel de palmatória do mundo, que já não cabe mais no seu recorte, por óbvio, se levarmos em conta os escândalos protagonizados e que levaram à prisão cabeças coroadas da agremiação e dos governos empalmados pelo petismo.
Avançou-se um pouco, também, nas últimas horas, na questão das coligações partidárias – outro mecanismo transformado em aberração no sistema político brasileiro, distorcendo claramente a limpidez do regime democrático. Os eventuais pruridos que existiam quanto a cláusulas de barreira para criação de partidos políticos e à ausência de coligações estão sendo dissipados, conforme se traduz do que está sendo aprovado em Brasília. Os políticos, finalmente, saíram da clausura em que estavam mergulhados e passaram a dar ouvidos à voz rouca das ruas, que de há muito clama por mudanças. As de agora ainda são insuficientes. Mas dar o primeiro passo era fundamental, e isto foi feito. Então, alvíssaras e evoés!
Por Nonato Guedes