A definição de que o fisiologismo no Congresso Nacional é uma tragédia na crônica política do país partiu do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista a Geneton Moraes Neto que consta do seu livro “Os Segredos dos Presidentes”. E a comparação foi feita a propósito da versão corrente de que correligionários de Efe Agá Cê teriam negociado votos no Congresso para aprovação da emenda da reeleição, que vigorou já na disputa de 98. Mesmo admitindo que infelizmente a prática da barganha existe, Fernando Henrique assegura que nunca houve anuência nem da sua parte nem de ministros como o das Comunicações, Sérgio Motta, que era chamado de trator pela mídia e, portanto, alvo da acusação de ter “comprado” votos para aprovação da reeleição.
O relato vem a propósito da decisão tomada em Brasília na mini-reforma política pelo fim da reeleição para cargos executivos, o que deverá prevalecer já a partir de 2018 quando teremos eleições para presidente da República, governadores de Estados e Casas Legislativas. Fernando Henrique disse a Geneton que se lembrava de denúncia de compra de votos envolvendo, diretamente, po pessoal ligado a Paulo Maluf. E também lembrava que teria havido uma recompra de votos no Acre, não por influência de FHC mas por iniciativa de lideranças locais acostumadas a essas práticas. No seu entendimento, se mancha existia por trás dessas acusações não era originária especificamente do seu governo, mas do sistema político, o que seria um fato muito grave. “Mas não houve, nunca, anuência nem incentivo meu ou do governo nessa direção”, enfatizou no depoimento a Geneton, recentemente falecido e um dos melhores repórteres de que tivemos registro no Brasil.
Em gravações publicadas pela Folha de São Paulo naquela época, dois deputados federais apareciam dizendo que receberam R$ 200 mil para votar a favor da emenda que fixava a possibilidade de reeleição para a presidência da República, governos dos Estados e prefeituras. Três outros deputados federais, também do Acre, teriam igualmente recebido o pagamento. A negociação teria sido intermediada pelo governador do Acre e pelo governador do Amazonas. A Comissão de Sindicância instalada na Câmara recomendou a cassação dos cinco envolvidos. Dois dos acusados renunciaram a seus mandatos para escapar da cassação. Os outros três terminaram sendo absolvidos em plenário. Fernando Henrique disse que não estava empenhado na reeleição mas em fazer reformas para empurrar o Brasil para a frente. A reeleição foi aprovada em janeiro de 1997. As reformas foram feitas em 97 todo e 98 – não apenas a da Previdência, mas também a administrativa e a da privatização. No segundo mandato de FHC, foi feita a Lei de Responsabilidade Fiscal e, também, a Rede de Proteção Social, o que não tinha sido feito. “A ideia era muito mais substantiva: mudar o Brasil. Era o que estava motivando”, resumiu FHC a Geneton.
Quer tenha havido ou não negociata de bastidores envolvendo compra de votos para que a reeleição despontasse no horizonte, o fato é que Fernando Henrique Cardoso aceitou pacificamente ou de bom grado o novo experimento. Ele concorreu a um segundo mandato com o poder nas mãos, a despeito de terem sido imputadas medidas restritivas na legislação, para impedir abuso de poder e concorrência desigual. Na Paraíba, o beneficiário da reeleição foi José Maranhão, que assumira a titularidade com a morte de Antônio Mariz. O grupo Cunha Lima insurgiu-se contra a recandidatura de Maranhão, mas havia perdido prazos e teve que ficar no PMDB para garantir candidaturas proporcionais. O principal adversário de JM passou a ser o ex-deputado Gilvan Freire, que se candidatou pelo PSB. Foi uma vitória acachapante, naturalmente, a que Maranhão infligiu ao seu adversário.
Posteriormente a reeleição beneficiou a Cássio Cunha Lima, que dela fez uso em 2006 quando derrotou nas urnas o próprio José Maranhão, não tendo completado o mandato em virtude de punição imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral. E, enfim, beneficiou-se o atual governador Ricardo Coutinho, que em 2014 foi reconduzido ao Palácio da Redenção derrotando Cássio Cunha Lima. Note-se que houve, aí, a primeira derrota de Cássio num prélio majoritário. Maranhão já havia perdido em 2006 e 2010. O fato é que a extinção da reeleição está mais ou menos consensuada. Mas não se acredite que isto seja suficiente para aprimorar o sistema político nacional. A reformulação tem que ser mais profunda e passa por itens como a arrecadação de fundos para as campanhas eleitorais.
Mesmo em fases de estabilidade democrática, o Brasil costuma tornar-se refém de casuísmos que são introduzidos na legislação em forma de penduricalhos. Há uma grande expectativa sobre saber o que vai aparecer de novidade para as próximas eleições. Essas inovações prosperam com mais força sempre que há fases críticas da vida política nacional – e os últimos anos foram especialmente pródigos nisso, com a descoberta do escândalo do mensalão e o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Mais do que mudar mecanismos, é fundamental mudar a cultura política das elites. Isso acontecerá de verdade ou é conversa pra boi dormir?
POR NONATO GUEDES