Não será surpresa para este colunista se o governador Ricardo Coutinho rever a posição que tem sustentado na polêmica sobre a empresa encarregada da expedição de gravames no licenciamento de veículos através do Detran. Até aqui o chefe do Executivo tem sido inflexível na opção por uma empresa que lhe é confiável mas que não tem ibope junto a concessionárias de financiamento de automóveis, que alegam outra questão prática, aparentemente burocrática: a dificuldade de acesso a trâmites legais para facilitação do processo de aquisição de veículos por condutores interessados. A polêmica, de repente, pode ter derivado de um mal-entendido ou até mesmo da falta de comunicação mais direta por parte do governo do Estado.
De bom senso, ninguém acredita que o governador Ricardo Coutinho esteja agindo no sentido de prejudicar quem quer que seja, muito menos contribuir para piorar as condições de desemprego que já são vislumbradas no horizonte. O litígio em pauta pode ter sido conduzido de forma pouco explícita, originando uma confusão e manifestações apriorísticas de reação – legítimas, “ma non troppo”. O que se conhece da trajetória de Ricardo Coutinho como homem público é a abertura a argumentos que lhe convençam de eventuais erros cometidos. E a consciência de que eventuais recuos não significam acovardamento ou tibieza, mas sensatez, acatamento ao contraditório, exercício democrático.
Ricardo foi treinado essencialmente na democracia. Fez-se líder político sem vínculos com oligarquias ou com sobrenomes famosos. Também não é descendente de famílias tradicionais – que em São Paulo eram conhecidas como “quatrocentonas” e que caíram em decadência porque a evolução é natural, como ousou admitir Galileu perante a Inquisição a respeito de o mundo se mover, como, de fato, se move. A intransigência na arte de administrar é, muitas vezes, um passaporte para a derrocada de carreiras políticas promissoras ou para enodoar biografias que são duramente construídas e que até certo ponto se revelam lineares, retilíneas até, mas depois descambam estranhamente, tomam outro rumo, tornam os protagonistas até mesmo irreconhecíveis no julgamento da história. São as metamorfoses inesperadas, os fatores supervenientes, provocados pelos “Sobrenaturais de Almeida” como se referia o anjo pornográfico Nelson Rodrigues ao tratar do imponderável.
No discurso de posse como governador, em 31 de janeiro de 1966, João Agripino Filho falou de coração aberto sobre uma de suas características bastante polemizadas: a autenticidade. Foi quando afiançou: “Fiz minha campanha usando uma linguagem franca e, às vezes, dura. Sei quantos eleitores perdi. Mas o que pretendia era chegar ao Palácio do Governo sem nenhum compromisso com ninguém a não ser com os que me elegeram. O que pretendia era receber dessa gente que hoje nos aplaude em praça pública os estímulos de coragem para resistir às pressões ou imposições de poder fazer-lhes o bem. Muitos acreditaram em mim, outros não. Muitos me temeram. Direi a todos que não se assustem comigo, porque só tenho amor no coração (…) Se não puder dar-lhe nada, darei, pelo menos, o afeto de minha alma para mitigar seu sofrimento’.
Está certo: João Agripino era João Agripino, tinha fleugma de estadista. Mas Ricardo Coutinho, que se situa em outra época e, portanto, em outro patamar, tem a noção exata dos limites da função de administrar. E sabe que se por vezes é preciso contrariar interesses, atitudes assim só têm grandeza quando focadas no bem comum. Foi com este espírito, faceta pouco conhecida de algumas pessoas, que ele fez o presidente da República, Michel Temer, quedar-se aos argumentos sobre a realidade de pobreza da Paraíba e de outros Estados. Política continua sendo a arte de fazer o bem. Só tem sentido se for assim.
O “off” – O instituto do “off the records” – declaração para não publicar – que foi transplantado da imprensa norte-americana para a imprensa mundial e assimilado com muita rapidez no Brasil continua sendo eficaz, ainda que possa assustar momentaneamente a alguns protagonistas de notícias. Por trás do “off” escondem-se verdades que mais cedo ou mais tarde vão sendo diluídas e reveladas em toda a sua extensão. Ainda é um poderoso instrumento nas mãos de jornalistas conscientes e responsáveis. P.S: observação feita a propósito de nada.
Por Nonato Guedes