Um ataque de saudosismo está levando figuras filiadas ao PMDB a sugerirem que a sigla volte a se denominar MDB, que era, originalmente, como se chamou o partido criado para ser de “oposição consentida” no regime militar e que acabou sendo um partido malcriado, por obra e graça dos “autênticos”, um grupo progressista que se opunha aos moderados e conservadores da mesma sigla. Ulysses Guimarães, o Senhor Diretas, Senhor Constituinte, transitava entre os dois grupos mas tinha afinidade maior com os “autênticos”. Proferiu discursos irados, como aquele em que comparou o presidente Geisel a Idi Amim Dada, o ditador bufão de Uganda. Ou o discurso em que chamou a Junta Militar investida no poder com a doença de Costa e Silva de “Os Três Patetas”. Da Junta fazia parte um paraibano – Aurélio de Lira Tavares, ministro do Exército. Cometia poemas com o pseudônimo de “Adelita”. Sofríveis, como convém a ‘poetas’ da sua estirpe. É nome de logradouro em João Pessoa – tão obscuro que escapou à sanha punitiva de legisladores que derrubaram placas com nomes de ditadores brasileiros.
Quando os militares empalmaram o poder e sacrificaram as liberdades políticas foi proposto que houvesse um arremedo de sistema partidário representado por duas legendas – a Arena, assumidamente governista, o MDB “oposição consentida”. O doutor Ulysses Guimarães, frasista emérito, estigmatizou o regime com várias caricaturas verbais nascidas do seu talento privilegiado. “Se o governo perdeu o povo, como a Arena poderá ganhar as eleições?”, era uma das frases com que o doutor Ulysses espicaçava a linha dura. Há outras mais, que compilei do seu livro “Rompendo o Cerco”, que ganhei do próprio doutor Ulysses, com uma dedicatória generosa. Vamos a elas:
– “O que acho da Arena? Não acho, pois a Arena não é. Não é partido, é papel carbono, não é voz, é eco, é vaca de presépio do serviçal e eterno “sim senhor”.
– O MDB é como pão-de-ló: quanto mais bate, mais ele cresce.
– Os candidatos da Arena têm vergonha do nome de seu partido, que aparece, quando aparece, pequenino nas faixas e cartazes. Como acontece com os vinhos nacionais: Bem grande, está escrito Château Duvalier, Château Lacave, Liebfraumilch. Embaixo, em letra miudinha: “Indústria Brasileira”.
– O MDB está rouco de tanto gritar. A Arena muda de tanto ignora. O governo desacreditado de tanto cumprir.
– A oposição é atividade estatal. Subversão não é exercê-la, mas embaraçá-la ou impedi-la. Como é inevitável que os governos pratiquem erros, também é inevitável denunciá-los. É o princípio da oposição do Estado ao governo do Estado.
– É o voto, somente ele, que faz a acoplagem dos cidadãos com os homens públicos e o Estado.
– A tragédia do Brasil é ser um País sem política, pois a começar pela terminologia não há política sem povo, assim como lexicamente não há democracia sem povo. Política e cidadão têm a mesma raiz etimológica e a mesma origem histórica, grega a primeira, latina o outro.
– Já é tarde, mas ainda há tempo.
– Deixem o povo votar. Ainda que erre, acabará acertando. Mais importante do que dar o peixe, é ensinar a pescar, ensina o provérbio chinês. Pela receita não se sabe o gosto do pudim. É preciso prová-lo.
– Política é conversa de adulto, não de moleque. É doloroso ter de repreender imaturos com o convite latino: “Puer, sacer est locus: extra migite”. Em língua crioula: Menino, o lugar é sagrado. Vá fazer pipi lá fora.
– Em política é preciso ter inesgotável e santa paciência. Principalmente para ouvir os néscios que querem ensinar pai a fazer filho, reinventar a roda, redescobrir a lei da oferta e da procura, que têm ideias como os que têm filhos e os abandonam à porta da igreja para outros criarem. É isso que dá enfarte ou úlcera no duodeno.
– Não pode apontar quem tem o dedo sujo. O corrupto suja a denúncia que faz. Não quer a moral, quer cúmplices.
Pensando bem: não é o MDB que faz falta.
O que faz falta são homens como doutor Ulysses.
Nonato Guedes