Na edição comemorativa dos seus 40 anos, publicada esta semana, a revista “ISTOÉ” rememora fatos marcantes verificados no Brasil e no Exterior. Um deles foi a derrota das “diretas-já”, em 1984. Eu estava em Brasília fazendo a cobertura para o jornal “A União”, de João Pessoa. Avistei nas galerias a atriz Christiane Torloni em prantos com a derrota da “emenda Dante de Oliveira”, como era denominada a proposta submetida à votação e arquivada. A votação foi precedida por amplas mobilizações nas ruas. Os comícios lotavam São Paulo, Rio de Janeiro, João Pessoa. Em cima do palco, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando Henrique, Lula, artistas e intelectuais. A campanha chegou a reunir 1,5 milhão de pessoas na Candelária, no Rio, 1 milhão no Vale do Anhagabaú em São Paulo. A mais simbólica de todas as manifestações, porém, ocorreu na Praça da Sé, em 25 de janeiro de 1984, quando 300 mil pessoas carregando faixas e camisetas nas quais se lia “Eu quero votar para presidente” apareceram espontaneamente, num movimento amplo pela retomada da democracia – lembra a ISTOÉ.
A meu ver, está na hora de botar o bloco nas ruas. Pelas diretas-já. Há motivos de sobra que justificam uma nova mobilização de massas. Esse Congresso que está aí, tirante as exceções de praxe, está de costas para o povo e legisla prioritariamente em causa própria. Pior ainda: sem transparência. Abstraindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que se tornara inevitável, a destituição de Eduardo Cunha da presidência da Câmara, cassação do seu mandato e decretação de sua prisão, bem como outras punições adotadas episodicamente, é forçoso reconhecer que o presidente Michel Temer não está apto a governar o País. Não discuto a legitimidade – sua investidura se deu sob trâmites constitucionais. Afinal, era o vice de Dilma, estava na hierarquia sucessória ao Planalto.
O problema é que o governo não governa, pelo menos para o povo. Temer é um desastre como mandatário. Tem-se feito omisso nas grandes decisões em favor do povo e é protetor de ministros e parlamentares de conduta pública duvidosa. Ele não tem credibilidade, anda mais perdido no poder do que cego em tiroteio. Arrota uma autoridade que não exerce na prática. É regente de um governo medíocre, assentado no compadrio. Não é o democrata que apregoa ser – e o que é pior, inclina-se pela adoção de medidas que ao invés do avanço conduzem ao retrocesso. Não é o homem talhado para este momento crucial, como se chegou a cogitar quando foi expedido o voto de confiança dos primeiros dias ou dos primeiros meses. A gestão não dialoga com a sociedade, o presidente fica enclausurado no gabinete ouvindo meia dúzia de puxa-sacos. Evita percorrer o País temendo coro de vaias.
Camilo Vannuchi, 37 anos, membro da Comissão da Memória e Verdade da prefeitura de São Paulo, depõe, lembrando a emenda Dante de Oliveira: “Já naquela época era possível perceber como o Congresso anda apartado da sociedade”. Ele tinha quatro anos quando ocorreu o comício monstruoso da Praça da Sé. Guarda uma foto da manifestação. “O povo foi traído nas Diretas-Já mas o desgaste do governo foi tão grande que viabilizou a eleição de Tancredo Neves logo na sequência”, afirma. Pena que Tancredo tenha morrido sem assumir – e pior ainda, que ele tenha sido substituído por José Sarney, legatário de uma inflação sem precedentes ao fim do pífio mandato que empalmou. Deduzo que o clamor das ruas está voltando. “Mas para votar em quem?”, indaga-me, por telefone, um amigo pressuroso com a falta de quadros confiáveis no horizonte político brasileiro. Quem vai decidir isto é o eleitor, senão em 2017, certamente em 2018. Havendo democracia plena e legitimidade, os antídotos contra crises e mediocridades espoucam naturalmente. Quem viver, verá!
Por Nonato Guedes