O ano de 2016 parece teimar em não acabar, prolongando o desconforto de brasileiros e brasileiras que não sentem saudades maiores de mais uma etapa no calendário. Tudo conspirou para que o ano fosse pontuado por más notícias. Acumulamos apenas perdas em diferentes esferas, por qualquer ângulo que se analise a conjuntura. O coroamento com chave de ouro de um emblemático ano perdido foi a demonstração de força do coronel alagoano Renan Calheiros, senhor de baraço e cutelo das decisões do País, que logrou se manter na presidência do Senado desafiando uma instituição do porte do Supremo Tribunal Federal, que se quedou docilmente ao esperneio de um político que não ostenta uma biografia, mas um prontuário.
Renan ganhou no grito e na bravata, mas demonstrou que conhece muito bem o terreno da política miúda, corporativista, que se pratica no ambiente do próprio Supremo Tribunal Federal. Por acaso não foi ele que insinuou que ministros da Corte estão preocupados, em caráter de urgência, com supersalários? E não foi contestado porque não havia como contestar o que foi dito, diante da evidência solar do que ele expressou. Os de boa memória hão de evocar que em pleno ritual de andamento do processo de impeachment da então presidente afastada Dilma Rousseff no âmbito do Congresso mas sob a supervisão do Supremo Tribunal Federal, o então presidente da Corte, Ricardo Lawendowski, foi flagrado fazendo lobby ostensivo junto aos parlamentares para que fossem sensíveis ao clamor dos ministros do STF pelo reajuste, diluído em forma de supersalário, provavelmente como retribuição justa ao árduo empenho com que Suas Excelências decidem diariamente os destinos do País.
Calheiros exibiu poder na última sessão do impeachment, quando foi proclamado o resultado e ousou sugerir um “adendo” à Constituição Federal suprimindo a pena adicional de inabilitação política de oito anos à presidente afastada Dilma Rousseff. E o que alegou o coronel alagoano? Generoso, tocado de solidariedade, argumentou, didaticamente, que Dilma já estava sendo punida com a perda do restante do segundo mandato. Inabilitá-la por oito anos como estava na letra da Lei Maior seria fortalecer a campanha misógina contra Dilma, a respeito da qual ela se queixara na falta de álibis mais eficientes para justificar erros cometidos no exercício do cargo. O apelo patético de Renan foi acatado, não sem o justo protesto do senador Fernando Collor de Melo, que lembrou que como primeiro presidente da República alvo do impeachement em 92 perdeu o mandato e ficou inabilitado oito anos, sem direitos políticos como o de voltar a concorrer a cargos. E Collor cumpriu a dupla pena. Mas todos fizeram ouvidos de mercador à sua argumentação. O lobby de Renan pró-Dilma contagiou o plenário. A ex-presidente está liberada para concorrer a qualquer mandato, de vereadora a presidente da República novamente. Dois pesos, duas medidas, uma Constituição rasgada à luz do dia.
Renan conhece bem as minúcias desse enredo e foi graças a essa prerrogativa que protagonizou as cenas com que o Brasil foi brindado: o pouco caso do presidente do Senado para com uma instituição como o Supremo Tribunal Federal, a humilhação imposta a ministros (Suas Excelências) e ao coitado do oficial de justiça que em vão tentou notificá-lo da liminar de afastamento da presidência exarada pelo ministro Marco Aurélio. Arrotando poderes, o coronel alagoano não arredou pé do gabinete e ainda foi recebido pelo presidente da República, Michel Temer, com deferências especiais, embora estivesse subjudice. Impôs-se no berro porque tinha consciência ou convicção de que tudo ficaria por isso mesmo e que ele não seria alvo de impeachment na presidência do Senado, ainda que tenha sido retirado da linha sucessória presidencial.
Renan é o retrato do Brasil político arcaico. Que, pelo visto, vai demorar a ser extirpado da cena ou da paisagem nativa. É o cara, como se suspeitava. Diante dele todos se prostram, em reverência. Renan é o pudê na sua expressão mais tacanha no Brasil da modernidade. Que asco!
Por Nonato Guedes