Sobre o coronel Renan Calheiros, já se disse que viveu seus cinco minutos de glória. Deitou e rolou sobre a Justiça brasileira, fazendo o Supremo Tribunal Federal quedar-se perplexo à sua influência na República Temerista. No final das contas, o coronel saiu com uma vitória de Pirro nas mãos – a imagem profundamente arranhada e cristalizada para o grande público como a de um dos últimos representantes do Brasil arcaico, do Brasil que remonta às Capitanias Hereditárias e a outros estágios de dominação que foram varridos do mapa por um fenômeno inexorável, que é a História – esta, sim, implacável nos seus julgamentos e no desideratum que eles encarnam.
Deixemos o coronel com suas vaidades cisplatinas e merencórias. Mas…e o Supremo, hein, gente? Que Suprema decepção! A Corte que se notabilizou na gestão de Joaquim Barbosa pela coragem cívica de expor as entranhas do mensalão, diagnosticado pelo ministro Ayres de Brito como um ponto fora da curva, que foi de uma altivez extraordinária em fases um pouco mais remotas, deliberando sobre células-tronco e temas-tabus na sociedade brasileira, essa Corte é como Itabira de Drummond – apenas um retrato na parede. O Supremo acovardou-se, apequenou-se diante da truculência do coronel das Alagoas, Senhor de Baraço y Cutelo desses tempos anfíbios e pouco auspiciosos na terra brasilis.
O que dói mais é constatar que o Supremo quedou-se ao coronel nas mãos de uma mulher extraordinária que todos admiramos, a ministra Cármen Lúcia Antunes da Rocha, primeira do gênero a presidir a mais alta Corte (no Brasil costuma-se dizer que depois do Supremo só se recorre ao Céu, máxima aplicada a quem tem linha direta com o divino, a quem possui o número do celular de Deus). Articulistas da mídia sulista obtemperam que a ministra Cármen foi mais política do que magistrada, ou seja, aquiesceu às bravatas do coronel Renan para preservar a democracia. Mas introduziu o penduricalho que Renan nenhum queria – dirigente do Legislativo que for réu em algum processo está fora da linha de hierarquia da sucessão presidencial. É muita coisa, mas ainda é o de menos, acreditem. Não foi compensada a desmoralização imputada pelo coronel político alagoano.
Os arreganhos proferidos por Renan sobre supersalários de ministros do Supremo criaram um alerta na sociedade em torno do corporativismo enquistado na Suprema Corte de Justiça do País. Troca-se a dignidade da instituição, o brio do STF, por um prato de lentilhas? Ora, nos poupem. Dá-se que, na prática, firmou-se um precedente sobre o qual poucos se deram conta: liminar de ministro e nada é a mesma coisa. Pelo menos foi o que o coronel Renan ensinou e o Supremo endossou ao não fazer valer sua autoridade no cumprimento de um preceito constitucional. Em episódios futuros, pode-se invocar a “Lei Renan” – decisão judicial nem sempre se cumpre. Ainda que, ontem, ele tenha tentado restabelecer o primado da razão ao dizer que decisão judicial é para ser cumprida. Que pena, ministra Cármen! A gente apostava tanto numa luz no fim do túnel sob suas mãos. E nos vem o que veio.
Brasil, grande Pátria desimportante….
Por Nonato Guedes