Uma edição especial da revista Superinteressante, abordando a trajetória de Fidel Castro, recentemente falecido, revela uma faceta da personalidade de uma figura que se tornou mitológica: o fascínio que ele despertava entre intelectuais e artistas brasileiros. Num texto de Edward Pimenta, é dito que nenhum chefe de estado inspirou tanto o cinema, a música, a literatura de um continente inteiro. E com uma contradição: Fidel entusiasmava pensadores brasileiros enquanto focava a liberdade dos artistas de sua terra. Não nos esqueçamos: Cuba deixou de ser o cabaré das Américas no regime do sargento Fulgêncio Batista para converter-se em ditadura socialista sob as rédeas de Castro. A luta contra o imperialismo americano parecia absolver Fidel dos seus defeitos. Ele era carismático, mas cometeu seus erros.
Houve uma diáspora permanente de brasileiros e brasileiras rumo à Cuba de Fidel, ora para recolher subsídios para livros, ora para conhecer de perto o “milagre da revolução socialista” – na verdade, era uma revolução fidelista. O escritor Fernando Morais foi um dos primeiros a chegar – e escreveu A Ilha. Ignácio Loyola Brandão esteve em Cuba, Fernando Sabino, Jorge Amado, Oscar Niemeyer, Rubem Braga, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Frei Betto, Glauber Rocha, José Celso Martinez. Alguns renegaram Fidel, depois. A maioria se manteve como uma rocha granítica prostrada aos pés do ídolo da Sierra Maestra.
No começo da década de 80, boa parte da esquerda mundial havia abandonado o barco diante de atrocidades atribuídas a Fidel. Artistas brasileiros participavam do processo de redemocratização aqui dentro mas ainda tinham forte atração pela ilha e pela aura de bravura romântica criada pelos artífices do regime, cuja representação máxima é o retrato que Alberto Korda fez de Che Guevara. O fascínio era compreensível até certo ponto. Havia uma ebulição mundial na caça a ideologias que alimentassem o espírito e oferecessem um sentido de sobrevivência a remanescentes da esquerda. Certos ídolos de pés de barro deixaram esquerdistas órfãos pelo mundo afora. A Rússia de Lênin, a China de Mao Tsé Tung, a Albânia do camarada Enver Hoxha, a Alemanha Oriental – os paraísos socialistas ruíam um por um. Cuba era a última esperança, mas a revolução castrista já dava sinais de exaustão e de fracasso mesmo. Quem morava na Ilha sabia o que era morar na Ilha.
Nos anos 50, Cuba tinha o terceiro maior PIB entre os 20 países latino-americanos, ocupava o primeiro lugar na América Latina em número de aparelhos de televisão e tinha quatro emissoras de TV. Era recordista em número de salas de cinema e estações de rádio. A desigualdade social era brutal, mas a pobreza estava concentrada na zona rural. Havia conforto nas cidades durante as duas décadas anteriores à revolução. O grande mal do regime de Castro, diz a matéria da Superinteressante, foi matar a liberdade de seus artistas. “Por maiores que tenham sido os investimentos em educação e cultura, é injustificável que Fidel tenha usurpado o direito essencial de livre expressão de pensamento”, pontua o texto.
O fascínio que Cuba ainda exerce sobre muitos de nossos artistas tem um fundo muito mais emocional do que intelectual. Hoje, diz a Superinteressante, a revolução não passa de um retrato na parede. E se vivemos uma democracia que nos permite falar a respeito de qualquer coisa, é porque optamos por trilhar o caminho contrário àquele que foi dado pelos revolucionários cubanos, os barbudos da Sierra Maestra!
Por Nonato Guedes