O jornalismo político brasileiro perdeu um dos seus melhores repórteres, como ele sempre se definiu, embora fosse muito mais do que isso. Refiro-me a Villas-Bôas Corrêa, testemunha e narrador de acontecimentos que mudaram a história do Brasil por pelo menos meio século. Consagrou-se como um dos mais importantes jornalistas político, tendo estreado nos anos 40 na redação do jornal A Notícia, passando por outros veículos como o Jornal do Brasil. Frequentador da Câmara dos Deputados e do Senado, anotou em livro recordações de inúmeros encontros com figuras-chaves da política nacional. Virou incontáveis noites em redações de jornal em busca do texto perfeito, a crônica política interpretativa capaz de radiografar a dança das cadeiras dos partidos e seus representantes. Nas décadas de 50 e 60, quando o Rio de Janeiro era o centro da cultura e do poder, Villas-Bôas compunha um grupo de jornalistas vocacionados para a notícia, o bastidor, de que fazia parte o papa do colunismo Carlos Castello Branco.
Na campanha aos governos estaduais em 82, idealizei, como vice-presidente da API, um Seminário de debates a respeito da conjuntura política. O presidente, Severino Ramos, deu-me carta branca para listar os expositores que seriam convidados. O primeiro nome que cogitei foi o de Villas-Bôas. Fizemos o contato telefônico num sábado. Villas agradeceu a lembrança, a deferência, mas explicou que fora escalado pelo JB para produzir matérias sobre as eleições em diversas Capitais, menos João Pessoa. Sugeriu que tentássemos trazer o filho dele, Marcos Sá Corrêa, que era editor da “Veja”. E justificou assim: “Ele é melhor do que eu”. Acabamos trazendo Carlos Chagas, Tarcísio Hollanda, Moacir Japiassu, Gerardo Mello Mourão, Hélio Doyle, com o auditório da API lotado nas noites de segunda a sexta-feira, por jornalistas, alunos do curso de Comunicação e intelectuais. Dedicamos uma noite ao debate da conjuntura paraibana, tendo como expositor o historiador José Octávio de Arruda Mello. Sucesso total, acima das expectativas. Mas ficou a lacuna pela não vinda de Villas-Bôas.
Na minha escala de preferência pelos colunistas políticos do eixo Rio-São Paulo e também Brasília, Carlos Castello Branco tinha primazia evidente. Os outros que me atraíam eram Carlos Chagas, Villas-Bôas Corrêa, Murilo Melo Filho, Ricardo Noblat, Dora Kramer. Todos possuíam a perspicácia na análise ou no relato dos acontecimentos políticos. Castello tinha um estilo literário que jorrava nas colunas. Não tive notícia de rivalidade entre eles. No livro “Conversa com a Memória”, Villas-Bôas descreve episódios marcantes de períodos históricos decisivos, bem como histórias engraçadas do cotidiano das redações. Radiografa, ainda, a engrenagem política vigente, mencionando raposas políticas do PSD, a inflamada oratoria parlamentar da UDN, do PTB e de tantos outros partidos que esquentavam as manchetes dos jornais da época.
O livro de Villas é descrito como uma aula de jornalismo. De Vargas até Collor, o leitor pode acompanhar os bastidores do poder e da própria imprensa através de um texto ágil e carregado de emoção, como registram os editores. É o fim do governo Vargas, a euforia do governo JK, o glamour dos anos dourados, a renúncia de Jânio, os anos de chumbo, o processo de redemocratização. Uma geração que fez história é reconstituída por Villas numa época em que jornalismo era atividade indispensável para a sociedade. Com a morte de Villas, o ano pode terminar.
Por Nonato Guedes