A matéria de Veja começa assim: “Desde a década de 80, quando um político alagoano se lançou no cenário nacional com a fantasia de caçador de marajás, o Brasil tenta acabar com a praga dos supersalários de uma minoria de servidores público. Até hoje não deu certo.” O político alagoano foi Fernando Collor de Melo, atual senador, que era governador de Alagoas e buscava um mote para aparecer na mídia nacional quando lhe foi soprado o papel de caçador de marajás. Foi uma fantasia porque havia funcionários com direitos adquiridos e, portanto, imexíveis nos seus vencimentos. Mas Collor fez a fama, deitou na cama e se elegeu presidente da República em 89. Caiu em 92, via impeachment, por corrupção, comandada através do esquema de PC Farias, seu ex-tesoureiro de campanha.
O fato é que a praga dos marajás continua a contaminar o Brasil. Ainda na semana passada, o Senado deu um passo importante para tentar frear a escalada aprovando um pacote de três projetos que passa a incluir no teto constitucional a maioria dos penduricalhos que atualmente escapam da lei e inflam os ganhos dessa elite de servidores em dezenas de milhares de reais. Um levantamento feito por Veja mostra que mais de 5.000 servidores federais recebem além do limite legal. A diferença contabilizada seria suficiente para pagar por um mês a 400.000 aposentados que ganham salário mínimo. Pelos cálculos feitos, o prejuízo aos cofres públicos alcança 30 milhões de reais em um único mês. A maior parte dos salários acima do teto está no Judiciário, que responde por 21 milhões dos 30 milhões de reais mensais de excesso. O restante vem do Executivo (5 milhões) e do Legislativo (4 milhões). Nos casos mais gritantes, um único servidor chegou a receber mais de 100.000 reais em um mês – os cinco maiores ganhos de setembro do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público estão registrados ao lado da reportagem da revista.
O drible no teto constitucional, segundo foi apurado, ocorre na maior parte das vezes não por causa do salário propriamente dito, mas em função de uma miríade de benefícios como ajuda de custo, adicionais por tempo de serviço, trabalho em local distante, exercício de funções de chefia, auxílio nos estudos, e por aí vai. São as chamadas “vantagens eventuais”, “outras verbas remuneratórias” e “indenizações”. A nebulosa de rubricas ajuda os servidores a burlar o teto. E há casos interessantes. O presidente de Furnas, uma estatal cobiçada, o engenheiro elétrico Ricardo Medeiros, embolsa 80.000 por mês, com uma agravante: sua permanência no cargo é ilegal. Mas ele garante que não se afasta. Furnas é uma espécie de feudo histórico do PMDB e seu lorde, enquanto foi poderoso, era Eduardo Cunha. Nos tempos em que ainda se sentia dona do jogo, a ex-presidente Dilma Rousseff rompeu o status quo e deu o comando da empresa ao PT.
Na lista dos maiores salários do Brasil, estão uma juíza federal, Vera Lúcia Feil Ponciano, uma desembargadora federal do TRF em São Paulo, Therezinha Cazerta, uma Procuradora da República, Renata Ribeiro Baptista, ministros de tribunais, analistas do Senado, etc, etc. O ministro José Múcio Monteiro Filho, do Tribunal de Contas da União, ganha R$ 50.886,46. No tempo da caçada de Collor aos marajás em Alagoas, havia um procurador, Mendes de Barros, que a imprensa listava como o dono do maior supersalário. Bonachão, com um cachimbo pendendo do canto da boca, não se negava a dar entrevistas sobre o fato de ser marajá. Apoveitava para desdenhar da caçada de Collor e garantir que ninguém o levaria a perder vantagens. Posso estar equivocado, mas quem perdeu a batalha foi Collor. O marajá continuou intocável, desfrutando das delícias das praias alagoanas. Sinceramente, dá para acreditar que agora vai ser diferente?
Por Nonato Guedes