Há quem diga que o governo de Michel Temer sobrevive graças a algum tipo de milagre ou feitiçaria política. Claro que essa leitura reproduz a velha mania brasileira de atribuir-se ao imponderável o que aparentemente não comporta explicação lógica. Equivale ao que fazia Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico: debitar na conta do “Sobrenatural de Almeida” as derrotas sofridas em campo por times do coração – o de Nelson era o Fluminense. “Sobrenatural de Almeida” foi uma invenção de Nelson, como parte das licenças poéticas a que se permitem os escritores ou cronistas talentosos. Sérgio Porto criou para si mesmo um pseudônimo emblemático – Stanislaw Ponte Preta, que acabou sendo abreviado para “Lalau”, de óbvio duplo sentido. Isto na década de 60 a 70, quando a “Redentora” militar havia se instalado sem lograr cumprir uma das grandes promessas – extirpar a corrupção.
Isto é passado, dirão, não sem algum sentido. O que se discute nacionalmente é o governo do presidente Michel Temer, que em tese está há sete meses abancado no Planalto depois de consumado o impeachment de Dilma Rousseff e ainda não respondeu a que veio. Incomoda ao país, naturalmente, além da falta de soluções mais eficientes para graves problemas, a instabilidade politica da gestão Temer, com ministros tendo que ser demitidos em meio a denúncias de envolvimento em casos de corrupção e com o próprio presidente convivendo com uma espada de Dâmocles, que é a possibilidade de cassação conjunta da chapa Dilma-Temer. Afinal, ele foi o vice da mandatária afastada pela via do impeachment e indícios em poder da Justiça Eleitoral sinalizam para implicação, também, do companheiro de chapa.
Temer protagoniza um governo sofrido, para ele e para o país, eivado de sobressaltos, de ameaças de que a qualquer momento o presidente possa também ser desalojado, dando origem à convocação de eleições diretas, de acordo com articulações que não cessam em Brasília e fora da Capital Federal. Para o PT, evidentemente, a convocação de eleições diretas teria o sabor de uma revanche em alto estilo. O partido de Lula nunca digeriu o impeachment de Dilma, qualificando-o sempre de “golpe” em tribunais internacionais, embora o processo tenha sido supervisionado pelo Supremo Tribunal Federal e a presidente afastada tenha tido direito a amplo processo de defesa e a um bônus em meio ao mar de sargaço do impeachment- uma espécie de anistia que lhe garante a plenitude dos direitos políticos, “prebenda” que não foi conferida, por exemplo, a Fernando Collor de Melo, o primeiro mandatáro alvo de impeachment no Brasil.
Se é possível definir o governo de Michel Temer, parece apropriado chamá-lo de “semiparlamentarismo”, pois a verdade é que o presidente não apenas governa como age se estivesse no Congresso. Numa definição da revista Veja em reportagem que aborda o estilo Temer de administrar, está dito que Michel Temer sofre para se livrar de amigos incômodos e prefere o verbo “contemporizar” a “decidir”. Isto eleva, indubitavelmente, o preço do desgaste que o governo experimenta e das concessões a que é obrigado a fazer para sobreviver. Daí a recorrência da pergunta em círculos fora do palácio sobre se vale a pena pagar tamanho preço em nome de manter a democracia.
É lamentável que essas coisas estejam acontecendo e mais lamentável, ainda, é a atmosfera de imprevisibilidade sobre o que pode vir a suceder até o fim do ano ou a partir de janeiro de 2017. Não houve qualquer sinal emitido por alguma bola de cristal sobre o que pode vir. Daí essa sensação de desalento da opinião pública brasileira. É como se estivéssemos navegando por um fio. Para onde, infelizmente, ninguém sabe.
Nonato Guedes