O senador paraibano Cássio Cunha Lima (PSDB), que está licenciado do mandato, mexeu, sem querer, com o “calcanhar de Aquiles” do presidente da República, Michel Temer, ao lançar dúvidas sobre a capacidade dele concluir o seu mandato. Cássio refletiu a voz rouca das ruas, mas como integra um partido que é da base de sustentação do governo Temer, foi encarado como dissidente, como “desalinhado” com o Palácio do Planalto. Para não criar problemas ao próprio partido, o parlamentar foi aconselhado a tentar “consertar” o prognóstico infeliz que teria feito. Para Temer, isso pouco importaria – vale mesmo a primeira versão que lhe foi repassada mediante repercussão nacional alcançada pela entrevista à emissora paraibana,
Temer apenas confirma que não está preparado para críticas ou divergências. Deve estar postulando a unanimidade, apesar do acúmulo de erros que sua gestão tem cometido e da falta de perspectivas animadoras para a sociedade brasileira, que ingressa em 2018 desalentada, órfã de esperanças. Não há nenhum coro pela volta de Dilma Rousseff ou pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Este, teoricamente, lidera pesquisas de intenção de voto que têm sido processadas de maneira aleatória, mas o fenômeno é atribuído ao “recall” que costuma acometer o eleitor brasileiro na analogia com eleições recentes. Claro, há também o carisma de Lula, não obstante estar ele inquirido como réu em quatro a cinco processos e, portanto, com uma espada de Dâmocles apontada para a cabeça.
Ainda é cedo para firmar julgamento de conteúdo sobre a administração Temer, enfatizam analistas da cena nacional, aludindo ao contencioso que sobrou para ele gerir juntamente com sua equipe. Isto está nítido no imaginário coletivo, mas também é verdade que o governo de Temer notabiliza-se por pacotes de maldades que estão longe de conferir aplausos a ele. Mexer com os critérios de aposentadoria foi, antes de tudo, um ato de terrorismo da parte do presidente que ascendeu excepcionalmente no vácuo do impeachment de Dilma. Em paralelo, não passa desapercebido perante a opinião pública o fato de que ministros nomeados pela caneta de Temer têm conexões com a Lava Jato e que o próprio presidente é citado em acusações veiculadas. Não temos, portanto, um governo que agrade à opinião pública.
Desse ponto de vista, ao invés de ter cometido uma infelicidade, o senador Cássio Cunha Lima vocalizou uma verdade. O problema é que o Planalto de Michel Temer não tem ouvidos para a verdade. O governo prefere praticar a política de avestruz, enterrando a cabeça na areia para não se deparar com as tempestades inevitáveis. Temer só quer colecionar elogios porque supõe, no íntimo da sua vaidade, que está produzindo o melhor dos governos na história do Brasil. Sinceramente, não está. Cássio não mentiu. O fato de ter que “consertar” o que disse não anula a expressão da verdade que repassou. Quanto a Temer, optou por viver na ilusão – ainda que não possa viajar a céu aberto pelos Estados ou andar nas ruas sob pena de ser hostilizado. Este é o cenário, sem tirar nem pôr.
Nonato Guedes