Enfim, alguém com visibilidade na mídia “enquadrou” de algum modo o canastrão Donald Trump, iminente presidente da República dos Estados Unidos. Refiro-me, é claro, a Meryl Streep, a adorável atriz premiada no Globo de Ouro, que vociferou em discurso contra a cruzada preconceituosa de Trump. Preconceituosa e belicosa, pois tem sido assim que ele se comporta desde que foi candidato e, especialmente, desde que foi eleito presidente, num confronto com Hillary Clinton. Aliás, Trump reagiu a Meryl Streep chamando-a de “amante” de Hillary. Podemos ir nos acostumando porque seu vocabulário é daí para baixo. Trump não tem nível, nunca teve e é uma pena que tenha sido eleito, se bem que os EUA já tiveram presidentes piores, como Ronald Reagan ou Richard Nixon.
O que salta do linguajar do homem que vai comandar a outrora potência é o seu profundo desrespeito às pessoas. Donald Trump já xingou imigrantes – aí incluídos brasileiros e mexicanos, jornalistas, mulheres (seu alvo predileto, o que talvez Freud explicasse), minorias, negros, etc, etc. Para quem vai suceder a Barack Obama, que foi uma revelação no comando da Casa Branca e que implantou avanços em políticas sociais, ainda que tenha cometido deslizes em outras áreas, Trump é, decididamente, o avesso do avesso do avesso. É enganoso da sua parte imaginar que representa o sonho americano de grandeza, um mito que alimentou a suposta supremacia dos EUA em ciclos até seculares.
De resto, o mundo é outro, a globalização alterou regras que pareciam condenadas à eternidade ou imutabilidade e os EUA não são mais o xerife do mundo, epíteto atribuído quando o poderio bélico, combinado com a lavagem cerebral que foi disseminada na mídia ocidental, elevou aos píncaros a imagem de Tio Sam. A agenda mundial prevê outras prioridades – afinal, o mundo se move como dizia Galileu. Trump é um recalcitrante deslumbrado pelo poder do dinheiro e pelo poder do cargo. Não merece respeito se não respeita as pessoas. Não está preparado para a pluralidade, para o debate livre, para a especificidade de gêneros, para os desafios emergentes incorporados à ordem vigente no mundo. Que sabe ele da importância de valores pelos quais a humanidade tanto lutou dentro da aspiração de ser um pouco melhor no concerto existencial? Trump não sabe de nada, além dos cassinos que patrocina. Aliás, para ele, o mundo não é uma aldeia global, com vasos comunicantes e interdependência entre povos. É um imenso cassino, em que fichas são apostadas e vidas trituradas debaixo dos panos que encobrem as mesas da jogatina desenfreada.
Os tentáculos do sistema haverão de conter Donald Trump, é a esperança que alimento. Por ser ele defasado, anacrônico, carreirista, canastrão, falastrão, tudo o que se possa de imaginar e que não é positivo, Trump será absorvido no status quo mais cedo ou mais tarde. Esta é a lógica que não se torna excludente na própria globalização, muito pelo contrário. Teremos em breve um mandatário com dificuldades para se encaixar ou se ajustar, mas o que tem de ser tem muita força. E o que é inexorável é inexorável. É evidente que nós todos gostaríamos de respirar melhor, de sermos mais confiantes, mais otimistas, mais generosos e solidários, dentro das lições que antepassados ilustres ou não legaram – e que estão aí para serem lapidadas. Trump, aparentemente, é um corpo estranho – mas não tão estranho que não possa ser desvendado. Veremos, o que nos remete ao terreno da expectativa sobre o que emanará dos humores de um presidente sem senso de humor.
Nonato Guedes