No dia 31 de março próximo, quando o Brasil lembrará o transcurso de 54 anos do regime militar, a Comissão Estadual da Verdade, criada por decreto do governador Ricardo Coutinho (PSB) concluirá suas atividades de investigações e tomadas de depoimentos sobre violações de direitos humanos que se estenderam até 1985. O relatório que o governador terá em mãos abarca quatro anos de atividades, em que foi apurada com riqueza de detalhes a participação de agentes de segurança do Estado brasileiro nas perseguições, prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de paraibanos que se manifestaram contra a ditadura militar. Com o encerramento dos trabalhos, será criaado automaticamente o Memorial da Democracia, que funcionará na Fundação Casa de José Américo de Almeida, conforme revelou à imprensa o advogado e historiador Waldir Porfírio, representante do governo estadual na Comissão da Verdade e da Preservação da Memória.
Waldir adiantou que cerca de 100 mil documentos relacionados à Paraíba ou a paraibanos radicados fora do Estado foram encontrados nos mais diferentes órgãos de informação e digitalizados pelos integrantes da Comissão, presidida por professores universitários. Os documentos mostram cenários, práticas de tortura, planos para punição de subversivos, perseguições, atos de demissões no serviço público, expulsões de estudantes da Universidade Federal da Paraíba e até acidentes provocados que resultaram em mortes e sumiço, entre outras práticas. Os documentos também revelam as táticas e estratégias utilizadas por adversários do governo, militantes políticos, estudantes, professores, deputados, prefeitos, padres, profissionais liberais e até juízes para burlar a censura, a espionagem e todo o tipo de perseguição praticada pelos agentes da repressão.
De acordo com Waldir Porfírio, os dez mil documentos digitalizados ficarão à disposição da sociedade no Memorial da Democracia, previsto em decreto do governador Ricardo Coutinho. A digitalização inclui documentos confidenciais, elaborados pelos órgãos de repressão do regime militar, como a Polícia Federal, o Serviço Naconal de Informações, o Exército, Marinha e Aeronáutica, entre outros. Também engloba fotografias, cartas, bilhetes e depoimentos prestados sob coação a autoridades por pessoas que foram presas, torturadas, ameaçadas e processadasno período, entre outros. Muitas dessas pessoas tomaram a iniciativa de procurar a Comissão da Verdade ou então foram procuradas nos últimos quatro anos para falar sobre os dramas que enfrentaram nos chamados anos de chumbo. Os depoimentos esclarecedores da verdade também estão entre os documentos digitalizados. O acervo ficará disponível a qualquer pessoa da sociedade paraibana interessada em consultas.
A Comissão Estadual da Verdade foi instituída no bojo da criação da Comissão Nacional da Verdade, que se tornou viável por decreto da presidente Dilma Rousseff, tendo como finalidade precípua aprofundar esclarecimentos e colher depoimentos de vítimas de torturas e de inúmeras outras arbitrariedades cometidas no período da repressão militar. A própria ex-presidente Dilma Rousseff foi uma das vítimas da ditadura, tendo sido torturada em quartéis militares por causa da sua vinculação com organizações clandestinas de esquerda que atuavam em centros urbanos. Dilma chegou a depor perante a Auditoria Militar, foi levada ao presídio Tiradentes, fotografada e fichada depois de ter sido torturada pelos algozes da repressão. Para o historiador Waldir Porfírio, o trabalho da Comissão Nacional e os trabalhos das Comissões Estaduais possuem um grande significado para registro histórico e eventuais medidas que possam legalmente ser tomadas como punição a autores das atrabiliariedades cometidas.
Nonato Guedes