São inúmeras as concepções sobre o que é a arte de governar. No Brasil, uma das definições lapidares entrou para o folclore e foi dita por Washington Luís, político remanescente da República Velha em São Paulo: “Governar é abrir estradas”. Esta é uma das funções elementares do administrador – dúvidas não há. Na Paraíba, o governador Ricardo Coutinho poderia dizer, ainda agora, diante de conjuntura adversa que está enfrentando, que “governar é definir prioridades”, um axioma que já saiu da boca de muitos gestores com atuação na paisagem política-administrativa tupiniquim.
Os prefeitos de Campina Grande (PB), Romero Rodrigues, e de Caruaru (PE), Raquel Lyra, ambos do PSDB, protagonizaram numa reunião, ontem, na Rainha da Borborema, um exemplo digno de registro e imitação e uma sentença que pode ser adicionada aos axiomas de que nos valemos para qualificar a arte de administrar. A sentença pode ser resumida neste dito: “Governar é agir com criatividade”. Foi o que fizeram os dois gestores, confrontados com a conjuntura madrasta, resultante de efeitos da política econômica-financeira nacional, ao se debruçarem sobre o que até então era fonte de rivalidade acirrada entre Campina Grande e Caruaru: os festejos juninos.
As duas cidades, até por uma questão estratégica de marketing, instituíram uma controvérsia sobre quem fazia o melhor ou o maior São João no Nordeste. Campina, cujo povo é conhecido pela autoestima exagerada, cunhou, de imediato, o slogan “O maior São João do mundo”. Ficou sendo apenas um slogan porque, matemática ou cientificamente, a assertiva nunca foi minuciosamente comprovada. Ainda assim, o slogan serviu de mote para estimular a rivalidade com Caruaru e para manter aceso o orgulho do povo campinense. Foi uma competição salutar que rendeu dividendos para as duas cidades. Quem ia a Campina Grande nos festejos juninos não deixava, também, de ir a Caruaru – seja para tirar a prova dos noves, seja pela curiosidade de descobrir o potencial criativo de cada cidade no esmero com que se preparavam as festas juninas.
Campina Grande chegou ao ponto de “decretar” um mês inteiro de comemorações juninas, diversificando atrações por bairros e lugares estratégicos da cidade e expandindo além-fronteiras, como se deu com o trem do forró, que interliga a cidade-Mãe a lugarejos como Galante e proporciona uma visão mais lírica do folguedo junino. Ressalte-se que a despeito de investimentos pontuais de prefeitos ou de ajudas eventuais de governadores, o São João tornou-se autofinanciado em cidades como Campina Grande e Caruaru. Surgiram empresários ousados, inventivos, dispostos a arriscar num empreendimento que tinha retorno garantido. As prefeituras ficaram liberadas para participar apenas com o oferecimento da infraestrutura logística indispensável em eventos que reúnem multidões, a saber: policiamento, atendimento médico, montagem de planos de emergência para fazer face a situações atípicas em períodos dessa natureza.
A rivalidade com Caruaru sempre se deu no terreno da emulação cordial, na base da provocação sobre as atrações, na comparação entre o que era exibido na Rainha da Borborema e o que era apresentado na cidade pernambucana, de tradições diversificadas. Embora cordial, a emulação acabou sendo induzida, justamente como parte da estratégia para atrair mais gente, maior número de turistas. Isso valeu enquanto durou. A realidade é outra, os tempos estão bicudos, a incerteza ronda os lares brasileiros – é hora de apertar cintos. Nasceu, daí, a sugestão do acordo de paz pelo São João.
Diz o prefeito Romero Rodrigues: “Queremos ter um modelo conjunto, ter uma disputa harmônica. Alguns dizem que um é melhor e o outro é maior. Todos são bons. Quem vem a Campina vai a Caruaru, quem vai a Caruaru vem a Campina”. E acrescenta a prefeita Raquel Lyra, de Caruaru: “As duas festas precisam ser fortalecidas no que elas têm de mais tradicional. Para o nordestino, a festa de São João vale mais que a festa de Natal. Mas precisamos estar atentos para preservar os cofres públicos”. Tudo certo, então? A conferir. Mas é o caso de entoar alvíssaras e evoés, de elogiar o prefeito Romero Rodrigues e a prefeita Raquel Lyra e de concordar que a solução é engenhosa. Governar é agir com criatividade, claro!
Nonato Guedes