É máxima já incorporada ao folclore político-jurídico brasileiro: “Para os amigos, tudo. Para os inimigos, a Lei”. Ou, então, “os rigores da Lei”. É assim que age o promotor de Justiça licenciado (ou aposentado) Michel Temer, que tenta descascar abacaxis mais sérios ou graves na Presidência da República, a que ascendeu no vácuo do impeachment de Dilma Rousseff, enredo já conhecido demais para que se gaste vela à toa. Temer está em xeque num episódio desagradável para ele – a ação que foi acatada por um juiz de Brasília sustando a posse de Moreira Franco na Secretaria-Geral da Presidência da República.
Apesar de alguma diferença, há semelhanças com o caso do ex-presidente Lula. No governo de Dilma Rousseff, quando começaram a dar as caras processos tornando o ex-presidente réu em episódios de crimes de responsabilidade administrativa, mentes engenhosas do lulopetismo sacaram do bolso do colete o que seria uma espécie de pomada maravilha, capaz de curar todos os males: feito ministro da Casa Civil, Lula só poderia ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Estaria a salvo, teoricamente, da investida de qualquer magistrado de primeira instância. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal abortou a manobra engenhosa e Lula ficou a ver navios, exibindo o papel de nomeação que não tinha valor algum. O resultado é que está configurado como réu em três a quatro processos.
Moreira Franca é da turma dos “queridinhos” do professor Temer. Até então ele se ocupava de uma secretaria do programa de parcerias e investimentos público-privados. O cargo era o de menos, porque Moreira tinha linha direta com o chefe, dispunha de franco acesso ao seu gabinete na hora em que desejasse. Deu-se que nos desdobramentos da Operação Lava-Jato, em delações premiadas de executivos da Odebrecht, homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, Moreira foi citado, estando passível, portanto, de punição mais grave ou contundente. Temer equacionou as coisas ao seu modo. Resolveu “promover” Moreira ao cargo de Secretário-Geral da Presidência da República, criado especialmente para ele.
A revista Época é taxativa ao comentar o processo de nomeação de Moreira para a Secretaria-Geral da Presidência: “Não há qualquer lógica na promoção que não seja proteger Moreira da caneta do juiz Sérgio Moro. Moreira é braço direito de Temer e seu amigo há três décadas. Deixá-lo exposto à Lava Jato na primeira instância do Judiciário criaria instabilidade para o governo”. Este é o resumo da ópera, sem tirar nem pôr. Tudo certo, então? Não. Dependia de não aparecer quem quer que fosse, com inescondível desejo de atrapalhar a equação Temer-Moreira. Apareceram vários cidadãos, dando entrada numa ação que foi acolhida por magistrado de Brasília. O Planalto, é claro, recorreu. A Advocacia Geral da União foi acionada por Temer para contestar a legitimidade da ação e os termos do arrazoado contra Moreira. Resultado a conferir – valendo lembrar que o “caso Lula” é invocado como precedente, o que é inescapável.
Dilma Rousseff fazia uma gestão desastrosa, com projetos desconexos, sem falaer que a própria linguagem da presidente às vezes ou muitas vezes não tinha pé nem cabeça, o que originou a eclosão do “dilmês”, uma espécie de dicionário para classificar e enquadrar as expressões ou “boutades” da Sra. Rousseff, a exemplo da saudação entusiasmada que fez à mandioca, um produto da redenção brasileira, no seu modo de enxergar as coisas brasileiras. Repetindo, em termos: Dilma fazia uma gestão desastrosa. Michel Temer faz um governo medíocre, que se sustenta no vazio, o que é um perigo para a estabilidade administrativa e um perigo à estabilidade democrática. Esse caso do Moreira é o retrato perfeito e acabado do que significa a gestão de Temer. Mais uma vez o Judiciário está sendo testado. O engraçado é que senadores e deputados, além de governantes, reclamam muito de judicialização da vida pública no Brasil. Não dizem que a Justiça age quando provocada e em casos excepcionais de omissão do próprio Legislativo, que tem a função de legislar.
Aguardemos os fatos! Mas o governo Temer é por aí mesmo. Não se espere muito de onde nada vem mesmo.
Nonato Guedes