Tem-se a impressão de que os senadores Fernando Collor de Melo (PTC-AL) e Lindbergh Farias (PT-RJ) tudo fizeram para manterem providencial distância entre si. Em 92, quando Collor era presidente da República e sofreu processo de impeachment, Lindbergh estava nas ruas agitando estudantes “caras-pintadas”, como presidente da UNE, em uma jornada na defesa do impeachment. Os dois acabaram se encontrando no Senado, mas sem qualquer aproximação maior. No impeachment de Dilma Rousseff, Collor votou a favor, Lindbergh ficou contra. Eis que, agora, numa decisão do ministro Edson Fachin, o Supremo Tribunal Federal arquivou processos a que tanto Collor quanto Farias estavam sujeitos, por irregularidades cometidas no campo da improbidade.
Ainda há processos pendentes contra ambos, com conotações específicas e diferenciadas. Um fato sobre o qual não paira dúvidas é o de que ambos estarão sempre em lados opostos. Em termos ideológicos, nem Collor nem Lindbergh podem ser definidos como estudiosos e definidos. Os discursos que eventualmente eles proferem não são capazes de prender a atenção do plenário do Senado e fazê-lo silenciar. Lindbergh sobressai na quadra presente pela circunstância de fazer oposição a Michel Temer, que assumiu no lugar de Dilma Rousseff. Fora daí, Collor e Lindbergh são estrelas sem brilho numa constelação rarefeita de valores. Se não chegam a ser medíocres, também não são merecedores de atenção especial. Integram aquela categoria de políticos que nem cheiram nem fedem. São insípidos e inodoros e o Congresso passaria tranquilamente sem eles, porque não há registro de que, como parlamentares, tenham oferecido contribuição mais valiosa à solução dos problemas nacionais.
No caso de Collor, que passou pouco tempo na presidência da República, ele não parece vocacionado para o Executivo – mas também é muito apagado no Legislativo. Fica evidenciada, de forma subliminar, uma propensão do ex-presidente da República à atuação parlamentar. Mas foi no executivo, em Alagoas, por exemplo, que Fernando se notabilizou e foi capa da revista VEJA, apelidado como caçador de marajás. Como presidente da República, tomou uma medida antipática que ainda hoje é amaldiçoada por brasileiros – o confisco da poupança, uma medida arbitrária, que ele tomou a peito, enfrentando insatisfações generalizadas. Há quem acredite que o impeachment de Collor tenha se dado por causa dessa medida. É muito simples relativizar as coisas. Collor caiu pelo conjunto da obra, assim como Dilma foi punida também pelo conjunto, não por um fato catalisador específico.
Circulou, na fase de impeachment de Collor, a versão difundida pelos seus aliados de que ele estava sendo cassado por causa de um Fiat Elba – vejam só! Os que assim interpretam os acontecimentos ignoram, de propósito, que Collor dava seu aval para o funcionamento do esquema de PC Farias, seu ex-tesoureiro de campanha. O leitor menos disposto a aprofundar leituras de causas e efeitos não se apegará, como não se apegou, a episódios como a Operação Uruguai, que prenumciava evasão de recursos do Brasiil para paraísos fiscais longe daqui. Da mesma forma, Dilma Rousseff sofreu impeachment não por causa das pedaladas fiscais detectadas pelo Tribunal de Contas da União, mas por uma série de irregularidades ou omissões no campo da legalidade. Explicações sem pé nem cabeça costumam ser formuladas quando não se quer encarar a realidade de frente. Mais cômodo, sem dúvida, é dourar a pílula – assim tem sido feito ao longo da História do Brasil.
Em tese, algoz e vítima foram colocados por eleitores no mesmo metro quadrado, o do Senado – o primeiro representado por Lindbergh, que mobilizava caras-pintadas, o segundo por Collor, que saiu como um líder trucidado por uma quartelada parlamentar, coincidentemente o mesmo argumento que aliados de Dilma expendem para tentar justificar o fato de que ela foi destronada do poder. No final das contas, raciocínios desse jaez não colaboram para esclarecimento de fatos, o que, por sua vez, ocasionaria uma tomada de posição mais justa por parte de segmentos da sociedade. Não importa. Quanto à circunstância de Collor e Lndbergh estarem hoje juntos e misturados, apenas reforça a explicação de que a História é, soberanamente, implacável.
Nonato Guedes