Hoje é Quarta-Feira de Fogo, como se convencionou denominar a data que assinala o desfile do “Muriçocas de Miramar” no projeto Folia de Rua de João Pessoa. “Muriçocas” é um fenômeno como bloco de arrasto, situado entre os maiores do Nordeste e do país, com potencial para atrair um público estimado de 350 mil a 400 mil foliões de tribos diferentes. O caráter democrático do bloco que tem como uma das estrelas o Mestre Fuba, puxador do frevo e da alegria, não é a única característica marcante de “Muriçocas”. Há toda uma variedade de componentes que tornam o bloco atrativo, contagiante, capaz de se colocar acima de todos os outros, seja por causa da sua história, das suas origens, que hoje completam 30 anos, seja pela autenticidade que perpassa as tentativas de invasão ou de infiltração política. Até prova em contrário, todos os cordões estão representados em “Muriçocas”.
Num depoimento escrito para o livro “Cinquenta Carnavais”, organizado pelo jornalista Fernando Moura, Flávio Eduardo Maroja, o Fuba, afirma: “Quando a monotonia foi quebrada pelo zum zum zum das Muriçocas em 1987, jamais imaginaria que estava sendo criado ali um grande movimento que culminaria com a solidificação da maior prévia carnavalesca do Brasil e a consequente criação do projeto Folia de Rua”. No começo, foi tudo improvisado e, por isso mesmo, tudo muito difícil. Os moradores de Miramar partiram para a criação do bloco como uma forma de animar melhor a cidade, que parecia imersa na tristeza ou na solidão em plenos dias de folia. A denominação “Muriçocas” resultou da praga que contaminava o Miramar, fazendo os moradores se coçarem e, portanto, se inquietarem. É uma bela história, que envolve o sumiço do primeiro estandarte do bloco. E nos depoimentos coligidos ao longo do tempo não há menção a políticos como protagonistas. Espectadores, sim, já que eles adoram se envolver tudo que lhes possa render dividendos. Mas entram no cortejo como foliões desajeitados, sem a naturalidade dos que não têm compromisso em pedir votos para poder se eleger.
Claro que “Muriçocas” projetou figuras na política, como o próprio Flávio Eduardo, vereador que procurou se comprometer com causas culturais, pouco em voga nas tribunas legislativas. Mas a eleição de “Fuba” deu-se num contexto mais amplo, na sua intersecção com outros movimentos culturais e artísticos em proliferação na Capital da Paraíba e em cidades-pólos, chegando até Cajazeiras, a cidade que ensinou a Paraíba a ler. O que é preciso sublinhar é que os foliões de Muriçocas cuidam, por conta própria, de repelir as tentativas de apropriação da festa por esse ou aquele cordão político. Que cheguem os políticos, que se misturem com os foliões e que se sintam como foliõe, já que não são seres de outros planetas, mas sem essa de reivindicar propriedade ou paternidade por iniciativas populares genuínas.
A própria sobrevivência de “Muriçocas do Miramar” foi sendo garantida, ao longo dos anos, pela autossuficiência financeira, através da venda de camisetas e de outros adereços rentáveis que são comercializados. Isto contribuiu, em muito, para evitar uma dependência do poder público, o que seria um desastre, porque descaracterizaria o significado da animação de raiz, aquela que se expressa do público para fora e não o contrário. “Muriçocas” tem demandado teorias universitárias e é natural que assim seja, dada a dimensão alcançada pelo fenômeno e, também, em consequência do impacto exercido sobre toda a sociedade. O grande ponto positivo é o orgulho que o pessoense tem em relação à história do bloco.
Que daqui a pouco fecha tudo na cidade, a partir do trãnsito, em alguns trechos pontuais da avenuda da folia, que mais tarde será tomada por uma multidão sem precedentes, comprometida apenas com o sagrado direito de brincar. Porque é carnaval, para quem gosta de carnaval. Alvíssaras e evoés! Sejam bem, bem-vindas, as Muriçocas do Miramar.
Nonato Guedes