O ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou o arquivamento de uma ação contra o governador Ricardo Coutinho, que teria descumprido decisões da Justiça da Paraíba em pelo menos quatro processos. O arquivamento foi solicitado pelo Ministério Público Federal, em razão da prescrição da maioria dos casos.
A decisão foi publicada na edição desta quinta-feira (23) do diário eletrônico do STJ.
Confira abaixo:
SINDICÂNCIA Nº 376 – DF (2013/0231136-5) (f)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
REQUERENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REQUERIDO : EM APURAÇÃO
Decisão:
Trata-se de sindicância instaurada a partir de representação do Ministério Público Federal, para apurar possível prática de crimes de desobediência pelo Governador do Estado da Paraíba, RICARDO VIEIRA COUTINHO, por haver supostamente deixado de cumprir decisões judiciais proferidas nos Processos de nsº 999.2011.000758-3/001, 999.2012.000649-2/001, 999.2012.001119-5/001 e 200.2011.020.170-0, originários da Justiça Estadual do Estado da Paraíba
O processo foi inicialmente distribuído à relatoria do ilustre Ministro Gilson Dipp, em 12/07/2013 (fl. 390), no curso do recesso forense, portanto. Na ocasião, estando o próprio Ministro Gilson Dipp no exercício da presidência desta Corte, considerando não haver pedido de urgência a ser examinado, determinou que se aguardasse o fim do recesso (fl. 391).
No dia 1º de agosto daquele ano, o digno relator deu andamento ao processo (fl. 394).
O feito seguiu o seu curso, até ser, em 10/07/2015, atribuído ao presente Relator, em razão da aposentadoria do ilustre Ministro Gilson Dipp (fl. 1087).
Após o despacho de fls. 1089, de 19/08/2015, o Ministério Público Federal, por meio da manifestação de fls. 1137/1140, protocolada em 26/01/2017, requereu o arquivamento do feito, em razão da atipicidade da conduta do Sindicado em relação a um dos fatos investigados e da prescrição dos demais fatos.
Os autos vieram conclusos em 30/01/2017.
É o relatório. Passa-se a decidir.
Os atos investigados por meio da presente Sindicância são o suposto descumprimento de decisões da Justiça do Estado da Paraíba em quatro processos, a saber, os de números 999.2011.000758-3/001, 999.2012.000649-2/001, 999.2012.001119-5/001 e 200.2011.020.170-0.
O Ministério Público Federal requereu o arquivamento do feito, fundamentando-se em duas razões:
a) com relação ao processo 200.2011.020.170-0, não teria restado caracterizada a conduta tipificada no art. 330 do Código Penal, em razão de haver sido imposta, naquela decisão judicial a cominação de multa diária, o que afastaria a tipicidade, nos termos da jurisprudência pátria;
b) com relação aos processos 999.2011.000758-3/001, 999.2012.000649-2/001 e 999.2012.001119-5/001 a pretensão punitiva estaria prescrita, uma vez que os fatos teriam ocorrido nos anos de 2012 e 2013, e, tendo pena máxima de seis meses, prescreveriam em três anos.
Analisando cada um desses argumentos de per si, verifica-se que, de fato, a jurisprudência desta eg. Corte afasta a tipicidade da conduta prevista no art. 330 do Código Penal, nos casos em que há fixação de astreinte.
Vejam-se os seguintes precedentes:
PENAL E PROCESSUAL. DANO QUALIFICADO. CÁRCERE PRIVADO. RESISTÊNCIA. DESOBEDIÊNCIA. INVASÃO DE PRÉDIO PÚBLICO POR GREVISTAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A DESOBEDIÊNCIA. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA NA ORDEM JUDICIAL DE DESOCUPAÇÃO (ASTREINTES). ATIPICIDADE DA CONDUTA. TRANCAMENTO NESTE PARTICULAR.
1 – Demonstrado na denúncia, lastreada em inquérito e em prova testemunhal, que os recorrentes lideraram a invasão ao prédio público, causando danos ao imóvel, mantendo servidores presos e lá permanecendo mesmo após ordem judicial de desocupação, não há falar em inépcia, dado que os indícios de autoria estão denotados na descrição fática constante naquela peça acusatória.
2 – Existindo na ordem judicial, como ocorre no caso concreto, previsão de sanção específica para a hipótese de descumprimento (multa diária), não se configura o crime de desobediência, em razão da sua atipicidade.
Precedentes desta Corte e do STF.
3 – Recurso provido em parte apenas para trancar a ação penal em relação ao crime de desobediência.
(RHC 68.228/PA, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 04/05/2016)
HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL PROFERIDA EM MANDADO
DE SEGURANÇA COM PREVISÃO DE MULTA DIÁRIA PELO SEU EVENTUAL DESCUMPRIMENTO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM CONCEDIDA.
1. Consoante firme jurisprudência desta Corte, para a configuração do delito de desobediência de ordem judicial é indispensável que inexista a previsão de sanção de natureza civil, processual civil ou administrativa, salvo quando a norma admitir expressamente a referida cumulação.
2. Se a decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança, cujo descumprimento justificou o oferecimento da denúncia, previu multa diária pelo seu descumprimento, não há que se falar em crime, merecendo ser trancada a Ação Penal, por atipicidade da conduta. Precedentes do STJ.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem concedida, para determinar o trancamento da Ação Penal 1000.6004. 2056, ajuizada contra o paciente.
(HC 92.655/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 25/02/2008, p. 352)
Merece, portanto, acolhida a manifestação do Ministério Público Federal em relação à ordem judicial tida como descumprida, na qual se fixava multa diária.
Quanto aos fatos que teriam sido alcançados pela prescrição, afirma o Ministério Público Federal que: Extrai-se dos autos que, em cada processo, a última intimação pessoal do investigado para o cumprimento da ordem judicial ocorreu em 9/2/12 (Processo n.999.2011.000758-3/001 – fl. 375), 7/5/13 (Processo n.999.2012.000649-2/001 – fl. 506) e 28/5/13 (Processo n.999.2012.001119-5/001 – fl. 811). (Grifou-se).
Confrontando-se tais fatos com as normas do Código Penal acerca da prescrição, e sabendo-se que o crime tipificado no art. 330 tem pena máxima de seis meses, vê-se que sua prescrição ocorre em três anos, conforme previsto no art. 109, VI, do mesmo código.
Conclui-se, assim, que os fatos relativos ao processo 999.2011.000758-3/001 prescreveram em fevereiro de 2015, e os relacionados aos processos 999.2012.000649-2/001 e 999.2012.001119-5/001 estariam prescritos desde maio daquele mesmo ano.
Em face dessas ponderações, acolhe-se a promoção ministerial, com fundamento nos arts. 34, XVII, e 219, I, ambos do RISTJ c/c o art. 3º, I, da Lei 8.038/90, para determinar o arquivamento da presente Sindicância:
a) em relação aos fatos ocorridos no processo 200.2011.020.170-0, pela atipicidade da conduta; e
b) em relação aos fatos ocorridos nos processos 999.2011.000758-3/001, 999.2012.000649-2/001 e 999.2012.001119-5/001, declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, com fundamento nos arts. 107, IV c/c 109, VI, ambos do Código Penal.
Intimem-se.
Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2017
MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator