Ao pedir exoneração do ministério das Relações Exteriores, por problemas de saúde, o senador José Serra, do PSDB, praticamente joga a toalha e sepulta os planos de ser candidato a presidente da República. Aliás, o articulista político Josias de Souza, sempre bem informado, revela que Serra cogitou ocupar o ministério da Fazenda no governo do presidente Michel Temer, apostando fichas na teoria de que o desafio econômico consagrará eventuais postulantes ao Planalto. A ideia era a de reeditar façanha protagonizada por Fernando Henrique Cardoso no governo de Itamar Franco, que completou o mandato de Fernando Collor de Melo a partir de 92 com o impeachment deste.
FHC foi um dos mentores do Plano Real, de estabilização econômica, que o catapultou ao Palácio do Planalto. Itamar Franco morreu desgostoso com FHC porque se atribuía a paternidade do Plano mas constatava que os loiros da conquista eram capitalizados por Fernando Henrique, introdutor, também, da reeleição para cargos executivos pelo voto em 98, a um preço desgastante que teria envolvido transações tenebrosas junto ao Congresso Nacional. Por dois mandatos, FHC foi o presidente, depois de uma sofrível carreira política em São Paulo, onde era suplente de senador de Franco Montoro, somente ascendendo com a renúncia deste por ter sido eleito governador.
A história não se repete, como estamos cansados de saber. José Serra não logrou vitoriar nas vezes em que foi ungido candidato pelo PSDB a presidente da República, ainda que tivesse chegado ao segundo turno em embates memoráveis com Luiz Inácio Lula da Silva, que se tornara uma sensação depois de ter estreado em 89 em grande estilo, saltando para o segundo turno contra Collor. Lula e Collor eram, naquele pleito, as novidades oferecidas ao eleitorado brasileiro – e foi assim que atropelaram, na corrida, condestáveis como Ulysses Guimarães e Mário Covas. Como a política é imprevisível, Serra não conseguiu triunfar e sua saída do governo Temer soou como uma espécie de despedida de um sonho acalentado por qualquer homem público – o de dirigir os destinos do seu país.
José Serra, que no regime militar foi exilado político no Chile, onde adensou sua formação intelectual, protagonizara uma façanha ao ser ministro da Saúde numa das gestões de Fernando Henrique Cardoso e ter se saído surpreendentemente bem, oferecendo alternativas para mazelas antigas que o país não conseguira resolver. A expectativa natural era a de que ele fosse ocupar pasta do Planejamento ou da área financeira, sendo especulado, igualmente, para o Itamaraty. Foi posto na Saúde e se credenciou ao respeito internacional, mas não a ponto de obter cacife para sagrar-se presidente da República.
O segredo de Serra para dar certo como ministro sempre esteve associado à visão racional com que ele encara a administração pública. Se chegou a ter convicções empalmadas pela esquerda tradicional, Serra jogou fora as tais convicções e fez valer os seus próprios princípios, a teoria aplicada à prática dos Mestrados que fizera na vida acadêmica a partir de São Paulo. Embora no Nordeste houvesse certa resistência a Serra, visto como “sulista demais”, nunca faltou reconhecimento à sua capacidade intelectual, muito menos ao seu espírito público. Essa manifestação foi presente nas palavras dos próprios adversários que duelaram retoricamente com José Serra, oriundo de uma geração que conciliou os bancos escolares com a militância política dentro das regras democráticas, sem o apelo à luta armada ou a outras formas de violência institucional. É um quadro de valor que agora se debate com problemas de coluna, que dificultam a sua locomoção ou os périplos pelo exterior, inerentes a papéis como o de presidente da República ou chanceler. Permanece no Senado, emprestando contribuição valorosa à discussão dos problemas nacionais. No âmbito do PSDB, com sua saída forçada da corrida presidencial, abre-se o espaço para que Aécio Neves e Geraldo Alckmin voltem a monopolizar atenções e preferências para embates futuros. A política, decididamente, é atividade dinâmica.
Nonato Guedes