São muitos os que lutaram para tornar realidade a transposição das águas do rio São Francisco para regiões situadas no semiárido em pelo menos quatro Estados do Nordeste, incluindo a Paraíba. Remonta ao Império a batalha pela água como forma de suprir carências latentes da população sertaneja. O presidente Michel Temer aciona na cidade paraibana de Monteiro o mecanismo que faz a água jorrar – mas o grande emblema das lutas recentes pela transposição não estará no palanque hoje. Trata-se do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cujos governos o projeto foi retomado e com uma obstinação que possibilitou avanços, em meio a recuos estratégicos decorrentes de falhas detectadas na execução da grandiosa obra.
Lula transfigurou-se em personagem importante pela sua condição de retirante nordestino que deixou a região – como tantos outros – para ir tentar sobreviver com a família no Sul do país, especialmente em São Paulo. No livro intitulado “O menino Lula”, o jornalista alagoano Audálio Dantas, que foi combativo presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, narra a trajetória de Luiz Inácio a partir de quando pegou um pau de arara, deixou para trás Caetés, antigo distrito de Garanhuns, Pernambuco, fez-se torneiro mecânico, liderou lutas sindicais em São Paulo, na região do ABC, comandou greves em pleno regime militar e chegou a Brasília como presidente da República, eleito por duas vezes consecutivas.
Evidente que a biografia de Lula não é ornamentada apenas por flores. Há espinhos, como o envolvimento em operações que misturaram o dinheiro público com o dinheiro privado, e há o fato de que uma numerosa comitiva de expoentes do Partido dos Trabalhadores foi parar atrás das grades, pilhados no mensalão e depois no petrolão, subproduto do que poderá ter sido um esquema criminoso e requintado de assalto aos cofres públicos, na definição de um dos ministros do Supremo Tribunal Federal. As investigações não cessaram ainda e Lula não foi julgado, de modo que há especulações apenas. Mas são especulações recheadas de evidências, expressas em citações frequentes do nome do ex-presidente em operações que fariam corar um monge em estado de penitência.
Para além da dissecação das maracutaias, que deve vir a público em toda a sua plenitude, há fatos importantes na trajetória de Lula como presidente da República. E o empenho em favor da transposição das águas do rio São Francisco é um desses marcos indeléveis – por mais que desejem, os adversários e ex-aliados não conseguirão apagar a imagem do ex-presidente do simbolismo da chegada da água a um Nordeste esturricado, onde despontaram reações de protesto, algumas até de forma prosaica, como a cruz de latas montada em Brasília, no coração do poder, pelo ex-senador Ney Suassuna, que era conhecido como um “trator” na defesa de reivindicações da Paraíba. O padre Djacy Brasileiro, do interior paraibano, não fez por menos e erigiu seu protesto também com latas vazias, espelhando o sofrimento do povo nordestino com a falta d´agua.
A luta pela transposição está eivada de muito ceticismo. Não foram poucos os que se deixaram abater no meio do caminho por não acreditarem mais em milagres como a interligação de bacias. Um ex-senador paraibano, Marcondes Gadelha, que tomou a peito a bandeira em certa ocasião, sofreu hostilidades em auditórios de Estados onde a resistência à transposição era bastante acentuada. E nem por isso desistiu de batalhar para abreviar de uma vez por todas a distância que, conforme ele, havia se estabelecido entre a espera e a esperança. Uma obra com muitos donos? Não necessariamente. O único dono da obra é o povo nordestino. Os que lutaram para que ela fosse concretizada são padrinhos ou paladinos do empreendimento – e é claro que merecem destaque e reconhecimento na galeria dos benfeitores da região pobre ou subdesenvolvida.
No prefácio do livro de Audálio Dantas sobre Lula, o jornalista Ricardo Kotscho afirma: “Este livro é uma prova de que,querendo, tudo é possível. Até mesmo mudar o nosso próprio destino”. O ex-ministro paraibano José Américo de Almeida costumava repetir uma sentença: “Parecia impossível, até ser feito”. Ele mesmo, como ministro da Viação e homem sensível à problemática do Nordeste, foi partícipe das lutas, senão pela tramsposição das águas, certamente por outras soluções engenhosas que permitissem o convívio com a estiagem. Os nordestinos começam a mudar o seu destino mais uma vez a partir de hoje. O mais, pertence à História, que é implacável!
Nonato Guedes